Gosta de ficção científica e um dia teve uma ideia para uma colectânea de literatura popular (ou de cordel) nacional — ou, por outras palavras, "pulp fiction" à portuguesa. Mas atenção, esta não é uma colectânea convencional. É tudo ficção, avisa Luís Filipe Silva, para início de conversa. Uma espécie de história revisitada, portanto. Passamos a explicar.
A intenção foi clara desde o início do projecto, que no total ocupou quatro anos: “Elogiar, evocar o espírito da 'pulp'”, resume Luís, para quem estas histórias não tinham aspirações literárias, com uma ficção “normalmente má”. Mas, como em tudo, existem excepções — “sagas memoráveis, cheias de aventuras entusiasmantes em cenários maravilhosos” — que se destacam e ficam na memória (“Tarzan”, “Zorro”, “O Sombra”).
O filme de Quentin Tarantino já tinha procurado “elogiar a 'pulp fiction' enquanto género literário, à semelhança de alguma banda desenhada”, mas Luís Filipe Silva quis transportar essa homenagem para o panorama português, evocando “um passado glorioso que merecíamos ter tido”.
Realidade "versus" ficção
“Nada melhor do que, a partir de um concurso literário, ‘inventar’ uma 'pulp fiction' portuguesa para os apresentar. Criar autores e biografias e uma história do género ficcional, com heróis e um dinamismo literário que, efectivamente, não tivemos”. Tudo para provar que teria sido possível, “de forma legítima, que super heróis e aventureiros percorressem as ruas de Lisboa”.
E foi isso mesmo que Luís Filipe Silva se propôs conseguir. Trabalhando em equipa, organizou a escrita de 13 biografias de autores fictícios, responsáveis pelos 13 contos, alegadamente editados em 13 publicações distintas. Algumas “fizeram história”, como a “Mundo de Aventuras”, outras não existiram — “a não ser, talvez, numa realidade alternativa”.
O verdadeiro nome dos autores das histórias encontra-se oculto e disperso pelo livro, “normalmente nas próprias biografias”, revela Luís, que teve nas mãos o poder de imaginar e articular os detalhes destas, bem como os textos de enquadramento “histórico” e a introdução geral, num trabalho de reconstrução histórica.
Para tal contou com o auxílio de um segundo Luís, o editor Luís Corte Real, da Saída de Emergência, que encetou uma recriação gráfica. Vasculhou em dezenas de revistas da época à procura de “ilustrações, feitios, formatos, anúncios, para ‘envelhecer’ os contos e apresentá-los com a imagem e a sensação da verdadeira 'pulp'” - já percebemos, assim, a formatação a duas colunas, as fontes distintas e as figuras que povoam a maior parte de “Os Anos de Ouro”.
O primeiro Luís deixa um desafio ao leitor: “Descobrir o que é real e o que não é, esperando que, no processo, venha a encontrar a boa ficção popular que se veio publicando por cá nas últimas décadas”. Do herói “de queixo quadrado a salvar eternamente a donzela frágil” já não se livra.