“Em cada pincelada há uma tragédia”

"Este espectáculo revela-se uma preciosidade para quem aprecia e trabalha em Arte, mais que não seja, pela característica de nos pôr a pensar"

“Uau, aquilo é um Rothko!” DR
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“Cada pincelada é uma tragédia.” Quem o escreveu foi o autor norte-americano John Logan, no texto "Vermelho" (vencedor do Tony Award em 2010, entre outros prémios de Teatro). A peça, levada à cena pela mão do encenador João Lourenço, é brilhantemente interpretada por António Fonseca (Mark Rothko) e por João Vicente - que revela a sua inexperiência como actor, mas acrescenta frescura ao papel de assistente do mestre Rothko. Este espectáculo revela-se uma preciosidade para quem aprecia e trabalha em Arte, mais que não seja, pela característica de nos pôr a pensar.

A narrativa de "Vermelho" situa-se em Nova Iorque, no final dos anos cinquenta. O pintor Mark Rothko contrata Ken, um jovem assistente, para o ajudar na execução de um trabalho que lhe foi encomendado. Trata-se de uma série de murais para o luxuoso restaurante “Ritz Four Seasons”.

Enquanto criam cores, misturando-as em baldes de plástico, surgem as ideias, resultado do conflito entre si próprios e entre ambos. “Most of painting is thinking”: é assim que se resume de forma eficaz neste texto toda e qualquer criação artística. O mais importante é ter um pensamento e desenvolvê-lo, mesmo que por vezes tenhamos dúvidas, faz tudo parte do processo de criação.

Rothko, perante a dita encomenda para luxuoso hotel, vê-se confrontado com o dilema próprio dos artistas: aburguesar-se ou não? Deverá ele permitir que comam caviar, que falem alto, que fumem charutos, enquanto passam vagamente os olhos por uma obra sua? Talvez exclamem baixinho:  “Uau, aquilo é um Rothko!”.  E pareçam cultos a quem se senta do outro lado da mesa, mas depois toca a beber vinho de reserva e a limpar os beiços ao guardanapo de linho.

Numa época em que queremos que tudo seja óptimo - já nos anos cinquenta se queixavam do mesmo - este texto de Logan não poderia ser mais actual, pois a criação artística não pode embarcar nessa parolice da espera constante do elogio, do “gosto muito”, do “está mesmo bem”, do “adoro”.

O interessante neste espectáculo é o caminho que os dois protagonistas iniciam, um irreversível percurso de solidão, mas de encontro com a sua vida e obra. Até 26 de Fevereiro no Teatro Aberto, pode ouvir, ver e perscrutar o porquê de “cada pincelada ser uma tragédia”.

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