Fundos de jogadores, uma outra forma de financiamento
"As dificuldades de financiamento já não são de agora e por isso é que temos diversificado as nossas fontes de financiamento. Já fizemos empréstimos obrigacionistas, já emitimos papel comercial e constituímos fundos de jogadores". É desta forma que Domingos Soares Oliveira, administrador da SAD do Benfica, reage ao PÚBLICO, quando questionado sobre as crescentes restrições no acesso ao crédito bancário. Tal como o Benfica, o Sporting também já criou um fundo de jogadores, o que permite vender partes de passes de atletas aos investidores desse fundo, antecipando assim receita. O FC Porto tem feito o mesmo, mas de outra forma: cedendo parcelas de passes a empresas. Refira-se ainda que os clubes têm apresentado quer passes de jogadores, quer contratos de patrocínio como garantia nos empréstimos que têm contraído junto da banca.

Benfica, FC Porto e Sporting devem 350 milhões de euros aos bancos

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O Benfica é o clube mais endividado à banca e com maior passivo João Henriques (arquivo)

Os clubes de futebol estão dependentes do financiamento bancário e começam a sentir muitas dificuldades de acesso ao crédito. Segundo as contas de António Samagaio, professor do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), "a dívida financeira (empréstimos à banca e empréstimos obrigacionistas) da SAD do Benfica está em 157 milhões de euros, a do FC Porto em 98 milhões e a do Sporting em 95 milhões", o que totaliza 350 milhões de euros.

"Quando vencer esta dívida, será que os bancos vão voltar a conceder empréstimos? Tenho dúvidas de que esta política seja sustentável", afirma ao PÚBLICO António Samagaio, depois de ter analisado os relatórios e contas individuais divulgados pelas SAD dos "três" grandes clubes nacionais. Contactados pelo PÚBLICO, os responsáveis dos principais bancos (CGD, BES e BCP) não quiseram comentar o caso particular de nenhum cliente, mas referiram que estão a ser mais rigorosos na concessão de crédito a todas as empresas e que os clubes de futebol não fogem à regra.

Um recente estudo encomendado pela Liga de clubes à Universidade Católica revelou que o endividamento dos clubes portugueses da I Liga aumentou 500 milhões de euros nos últimos dez anos. E o problema agrava-se agora, por causa da crise da dívida europeia. Em Julho passado, Fernando Gomes, presidente da Liga e agora também candidato à presidência da Federação Portuguesa de Futebol, revelava que já havia alguns bancos com "indicações para não emprestarem dinheiro aos clubes de futebol".

António Samagaio acrescenta que o atraso do FC Porto no pagamento da transferência de Mangala ao Standard de Liège "é um indício" das dificuldades de acesso ao crédito: "Se calhar ninguém emprestou nesse momento", diz o professor do ISEG, fazendo a mesma leitura de declarações de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, que ontem repetiu o alerta de que as dificuldades económicas vão obrigar o clube a "investir menos".

Uma parte importante dos empréstimos dos clubes de futebol é de curto prazo, o que os deixa muito expostos às actuais limitações dos bancos. Reflexo disso é também a subida das taxas de juro que os clubes pagam. "No seu relatório, o FC Porto revela que a taxa média anual dos empréstimos foi de 4,39% em 2010 e de 6,78% em 2011", aponta António Samagaio, considerando que, até mesmo nos empréstimos obrigacionistas, os "clubes estão a financiar-se a taxas proibitivas".

"O empréstimo obrigacionista do FC Porto é de 8% e do Sporting 9,5%. Eles não têm um negócio capaz de gerar rentabilidade para cobrir este custo de capital", avisa o professor do ISEG, acrescentando que a SAD do Benfica é a mais endividada. "O Benfica tem tido uma estratégia de endividamento significativa. Só em 2008-09, recebeu (em termos líquidos) 44 milhões de empréstimos." Hélder Varandas, especialista em finanças de futebol, salienta precisamente os encargos com juros que foram assumidos pelas SAD na época 2010-11: "Quase 14 milhões de euros (ME) no caso do Benfica e 5 ME nos casos de FC Porto e Sporting."

"Quando olhei para as contas dos clubes, vislumbrei a situação das contas públicas do país", diz mesmo António Samagaio, sublinhando que os "próprios auditores chamam a atenção para que a continuidade destas SAD está assente no pressuposto de lhes ser mantido o apoio financeiro."

Mudar de vida

Paulo Reis Mourão, professor de Economia na Universidade do Minho, a quem o PÚBLICO também pediu para analisar as contas das SAD, defende que o estado das finanças dos clubes deve "gerar uma séria preocupação nos adeptos": "A volatilidade do financiamento pode levar a que um clube, que antes poderia permanecer longos anos num alto patamar, fique descapitalizado rapidamente e possa mesmo cair no risco de desaparecimento." É que, segundo Reis Mourão, antes os clubes "estavam dependentes da economia local, mas agora o seu sangue está nos mercados financeiros".

Estes especialistas não hesitam em dizer que os clubes têm de mudar de vida. A diversificação de fontes de financiamento é um caminho, como os fundos de jogadores. Mas só isso poderá não chegar, até porque a situação económica e as novas regras do fair play financeiro podem baixar significativamente o valor das transferências de jogadores, receita importante para os cofres de emblemas exportadores.

E se o Benfica é o clube mais exposto ao endividamento bancário, o FC Porto é aquele que mais depende do mercado de transferências. É que os "dragões", apesar de somarem lucros há cinco anos seguidos, só conseguiram equilibrar as contas graças a avultadas transferências de jogadores. "Desde 2005-06, o FC Porto teve um saldo positivo de transferências de jogadores de 135 ME. O Benfica tem um saldo positivo de 40 ME e o Sporting um saldo negativo de 15 ME", resume António Samagaio, para quem uma contenção dos custos é inevitável.

O professor do ISEG contesta ainda o argumento, frequentemente usado pelos clubes, de que os activos que têm são suficientes para cobrir os passivos. "O valor de mercado do plantel do Benfica, mesmo que vendessem todos os jogadores, não era suficiente para cobrir o passivo e o dinheiro que os accionistas lá colocaram quando constituíram a SAD", avisa.

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