É Pra Meninos

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"É pra meninos", contextualiza B Fachada. "É pra meninos", diz o título, e parecem confirmar os sonzinhos de instrumentos de brincar - as baterias, os teclados - que se ouvem nas dez canções do álbum. B Fachada a cantar para crianças, portanto. E, dada a sua produtividade, porque não? Em Dezembro de 2009, editou o "B Fachada", álbum da definitiva emancipação e maravilha da música portuguesa dos últimos muitos anos. No último Verão, baralhou tudo com som agreste e boa ginga veraneante em "Há Festa Na Moradia". Um álbum para crianças? Venha ele.

Mas, se Fachada é Fachada, então não o tomemos pelo valor facial. Claro que não poderia seguir o caminho fácil, pintar céus com arco-íris e contar histórias com moral bem medida e definida, explicando como o "petiz" tem de ser bom cristão na terra da infância para assegurar que crescerá como adulto respeitado (e o respeitinho, como sabemos, é muito bonito) e bem-sucedido (e o sucesso tem sorriso de marfim reluzente, várias contas em bancos recomendáveis e fica sempre bem a gente de bem). "É Pra Meninos" nasceu sob o contexto que o título aponta, mas é o trabalho de alguém que, no seu ainda tão curto quanto infatigável e impressionante percurso, sempre lidou com uma questão fundamental: a moralidade, ou melhor, a ditadura da moralidade - as suas crónicas de costumes são, uma a uma e sob os mais variados e surpreendentes pontos de vista, reflexões sobre essa ideia de rectidão, fachada sob a qual tudo fica na mesma para que, enfim, tudo fique na mesma. "É Pra Meninos", o seu primeiro álbum de banda (Martim no baixo, Mariana na bateria), não demora a apresentar-se: "Tó-Zé tu tem cuidado / Não sejas pau-mandado / Antes louco e malcriado que pensar só de emprestado / Toda a vida te vão dar o mundo já bem mastigado / Tu começa a praticar para não ficares moralizado". Estes versos, cantados enquanto uma melodia de voz rodopia sobre o piano eléctrico e o ritmo se insinua como na música de Pascal Comelade (que será inevitavelmente citado em referência ao álbum), hão-de ecoar até ao final das dez canções. Naturalmente, não é acaso ser a primeira de um ciclo que passará por pedidos natalícios de "babygrow de cabebal" e "cds de metal" - "mas se a mãe é que decide sobre o meu comportamento, que se lixe o Pai Natal" -, que passará pelo querido mês de Agosto dos amores de um mês para toda a vida, pelo aborrecimento das férias e das férias que acabaram, que terminará a olhar para a "gente grande": "vejo em toda a gente grande / o que o tempo tem para mim / as pessoas que eu vou ser / desde agora até ao fim". A música, de arranjos meticulosos mas desembaraço na interpretação, onde sintetizadores sobrevoam melodias onde o popular português se embala em balanço brasileiro ("Conselhos de avô", marcada pelo sax de Desidério Lázaro), feita de baladas a duas vozes (na ternura de "Primeiro dia", com Minta, e na arrebatadora "Barrigão", com Lula Pena) e com a capacidade de Fachada, uma vez mais, inscrever a sua marca autoral em novas estéticas (a perversidade serve-se aqui em prato delicodoce, ora "brincalhão", ora melancólico), a música, dizíamos, oferece uma nova dimensão às palavras cantadas. Porque o álbum para crianças de B Fachada, que as crianças trautearão, sim senhor, e que até lhes ensinará um par de coisas sobre a vida, é, na realidade, um álbum para acordar adultos. Não é pra meninos, não senhor.

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