Ricardo Villalobos: O mistério da dança

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Haverá Richie Hawtin ou Laurent Garnier. Mas no campo da música de dança electrónica o destaque do Festival Super Bock Super Rock será Ricardo Villalobos, o chileno que vive há muitos anos na capital alemã

Está para a música de dança dos últimos anos como Prince esteve para o funk dos anos 80, reduzindo as propriedades electrónicas e as dinâmicas rítmicas ao mínimo, mas expondo o máximo de emoções. É um sonoplasta, alguém que aborda o som e a sua actividade, como DJ e produtor, de forma minuciosa e ética, como se constata vendo o documentário ("Villalobos") que estreou no festival de Veneza e que foi exibido no IndieLisboa em Abril.

Figura central da música electrónica de dança da última década é também uma personalidade misteriosa. "Inicialmente hesitei um pouco quando me convidaram para o documentário", afirma, "mas o realizador [Romuald Karmakar] é alguém muito conhecido na Alemanha, com um grande percurso, e percebi que era um projecto totalmente credível. Ainda bem que o fizemos."

Ricardo Villalobos tem 40 anos. Nasceu em Santiago do Chile, tendo partido para a Alemanha com a família na sequência do golpe de Estado do General Pinochet. O pai é matemático. E esse facto parece tê-lo marcado. "A minha relação com a música, num primeiro instante, é muito intuitiva" diz, "trata-se de procurar sons que sejam inteligíveis para mim e combiná-los, mas a partir de determina altura o que me interessa é restringir, seleccionar e reduzir e isso é um processo mais pensado. Matemático, talvez."

Na última meia dúzia de anos, principalmente depois do álbum "Alcachofa" (2003), construiu uma identidade sonora vincada. Um híbrido tecno e house, profundo e narcótico, onde existe um toque sul-americano, ao nível dos pormenores percussivos. No seu caso não se trata de exotismo. A sua perspectiva não é a fusão. É criar um verdadeiro corpo colorido, reconvertendo-o em figuras digitais que iluminam uma espécie de melancolia tecno.

Compara a sua actividade à de um percussionista. Este, quando está em palco, deve saber estar no seu lugar, ouvir em redor e mudar de intensidade ao perceber uma sensibilidade comum. "Na minha música acontece o mesmo. Todos os sons parecem desempenhar o mesmo papel, mas lentamente vão-se modificando, contribuindo para a criação de um novo edifício."

Hedonismo ou nostalgia

O chileno é alguém que é capaz de provocar a festa na pista de dança. Nos últimos dez anos raros foram os fins-de-semana passados em casa, tal a abundância de convites para actuar em todo o mundo. Agora está mais selectivo. "Continuo a adorar a minha actividade, mas também gosto de estar com a família e os amigos, para além do estúdio. Por isso tento limitar as viagens longas, cada vez mais. Mas por uma boa festa, porque não?"

Mas a sua música não se restringe à funcionalidade dançante. Em álbuns como "Thé Au Harém D'Archimede" (2004), "Fizheuer Zieheuer" (2006), "Fabric 36" (2007) ou "Vasco" (2008) existe espaço para muitas variações. Sim, o minimalismo electrónico está quase sempre no centro dos acontecimentos, mas a rodear essa movimentação há detalhes, microrganismos imperceptíveis e climas letárgicos que nos transportam para zonas desconhecidas.

Às vezes é uma música que convida ao hedonismo. Outras vezes parece ser apenas a banda-sonora de um filme nostálgico, povoado por aeroportos, auto-estradas, grandes superfícies, lugares ocupados por gente em trânsito, solitários, isentos de vida. Espaços de ninguém, para uma música marcada por longos períodos de cadências repetitivas a velocidade moderada, envolvendo-nos numa trama hipnótica. "Não trabalho a partir de imagens e nem sempre penso especificamente na pista de dança" diz ele. "Só depois de criar um tema é que penso nisso."

No passado recente já criou música para filmes, no âmbito de apresentações ao vivo específicas. No futuro próximo deseja mesmo criar banda-sonoras e aproximar-se cada vez mais do jazz. Diz que em casa ouve predominantemente clássica e jazz, e que a Internet não o seduz - "demasiada informação sem sentido", limita-se a afirmar sempre que o interrogam sobre o assunto.

Do que gosta mesmo de falar é do som, das suas propriedades, daquilo que o caracteriza. Gosta de pensar que os instrumentos electrónicos podem obter o mesmo tipo de qualidade que as velhas gravações acústicas, apesar de achar que ainda não acontece: "Quando se ouve um velho disco de jazz é como se ouvíssemos também a sala onde foi gravado ou a respiração dos músicos. Gosto dessa pureza, desse reconhecimento. Essa intensidade, na maior parte dos casos, não é conseguida hoje."

É um clássico, mas profundamente contemporâneo. Um purista, mas vislumbrando o que se seguirá. É enigmático. Um dos criadores mais aventureiros da música actual, compondo com essa ideia em mente: decifrar o mistério que induz as pessoas à dança.

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