"Ser mais conhecido? Ganhar mais dinheiro? Reinventar-me? Quero ser eu, apenas isso"

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Paulo Pimenta

James Murphy, ar anafado, 40 anos, é responsável por alguma da música mais vital da última década com os LCD Soundsystem. Diz que não quer ser um profissional do rock. No dia 10 os LCD Soundsystem encerram o OptimusAlive!. Pode ser a última oportunidade de os vermos ao vivo

Ao longo da conversa, James Murphy dirá várias vezes "não sei." E, no entanto, se existe músico com consciência de si, e do lugar que ocupa na cultura pop, é ele. Ele sabe o que quer, por isso se permite dizer de forma descontraída "não sei." Para já, vai andar em digressão por um ano, com o álbum "This Is Happening" dos seus LCD Soundsystem. Depois, diz - e acreditamos - vai remeter-se à sombra. Não se trata de desistir da música. Mas de a viver de outra forma.

É provável, por isso, que o concerto do OptimusAlive! de 10 de Julho seja mesmo uma das últimas oportunidades de ver ao vivo um dos grupos mais importantes da última década. Na noite anterior, a 9, James Murphy estará no Lux, para uma sessão DJ na companhia da dupla Horse Meat Disco. Não deixa de ser irónico que, no auge do reconhecimento, se queira retirar. Ele que, no final dos anos 90, parecia condenado ao esquecimento depois de ter integrado várias bandas menores, como baterista e cantor.

Em 2001 fundou a editora DFA Recordings, em Nova Iorque, que se viria a transformar na senha de identidade da combinação entre rock alternativo e música de dança. No ano seguinte, saiu "Losing my edge", longo monólogo sobre como sobreviver num contexto pop deslumbrado com a juventude e com a novidade, e tudo mudou. Ele, o homem da sombra, transformou-se no ícone mais improvável do nosso tempo. Alguém capaz de transformar fragilidades, ao nível da voz, da técnica ou da personalidade - "para alguma coisa fiz terapia", diz - em mais-valias. O resto é história. Os LCD Soundsystem lançaram dois álbuns reconhecidos um pouco por todo o lado ("LCD Soundsystem em 2005 e "Sound Of Silver" em 2007) e há um mês regressaram com "This Is Happening", mais uma obra magnífica, canções em forma de máquina de ritmo, num tempo de excesso de música.

A música, hoje, está em todo o lado. Nos espaços públicos e nos privados. Ontem, num restaurante, ouvi uma canção dos LCD Soundsystem. A experiência da música está em risco por causa deste excesso?

De certa maneira, sim. Mas depende de cada um. Há formas de nos defendermos. Enquanto músico é-me impossível controlar esse processo. Não posso proibir que a música passe nesses locais. Em Nova Iorque acontece o mesmo, mas não a oiço, parece-me toda igual. É barulho de fundo. Mas é verdade que existe um excesso de música e de bandas. As pessoas carregam a música consigo, nos seus iPods e esse tipo de coisas. Não sei, não sou assim. Não carrego quilos de música... [risos].

Não é como aqueles melómanos viciados em música que passam horas sempre à procura de novidades na internet?

De forma nenhuma, não tenho tempo. Sou até o oposto. As pessoas que me são próximas costumam brincar comigo precisamente porque há uma série de fenómenos desse género que me escapam. Já é um mito entre eles a vez em que estava a ouvir uma banda e me virei para as pessoas que estavam comigo: "Uau! O que é isto?" Olharam todos para mim como se fosse um anormal e explicaram-me que eram os Arcade Fire, um ano ou mais depois de terem explodido. Isso acontece-me muitas vezes.

Mas tem de ouvir música nova por razões profissionais. Tem uma editora, a DFA, e actua como DJ regularmente.

Sim, mas isso é diferente. Pode não acreditar mas a música que oiço é, em grande parte, a mesma que sempre ouvi, Can, Fall, Talking Heads, Clash, Joy Division, enfim, esse tipo de coisas.

No festival onde vão actuar os LCD Soundsystem dividem o protagonismo da noite com os Pearl Jam, conotados nos anos 90 com a vaga grunge. Quem ouviu, nos anos 80, grupos como os Sonic Youth, tendeu a renegar o grunge. Argumentava-se que era uma vaga rock reaccionária. Revia-se nessa imagem?

Nem por isso. Percebo o argumento, mas como em todas essas vagas há grupos que valem a pena e outros que não. O grunge foi qualquer coisa que não vivi, talvez porque já era um pouco mais velho, mas os Nirvana eram diferentes. Gostava dos Nirvana, apesar de não terem sido uma referência para mim.

Kurt Cobain reflectia alguns dos conflitos dos músicos rock na relação com a indústria do entretenimento, que é algo que também acontece consigo. Principalmente no início, os LCD faziam música reflectindo sobre o que era fazer música. "Losing my edge" tinha um pouco disso. "You wanted a hit", do último álbum, também.

Nunca tinha pensado no assunto dessa maneira, mas é verdade. Não acompanhei muito a história da morte de Kurt Cobain, mas sim, parece-me que era alguém que vivia desconfortável com o papel que desempenhava. Não sei.

Quando diz que este será o último disco dos LCD porque não se quer repetir e está saturado da vida do rock - a pressão dos discos, os concertos, as entrevistas, os videoclips -, não está a expôr o mesmo tipo de conflitos?

Parece-me que Cobain lidava mal com o seu próprio sucesso. Eu quero apenas descansar de um formato e fazer outras coisas. Não quero ser profissional do rock e desaparecer de casa durante não sei quantos meses. Não significa que não possamos voltar a gravar. Não sei, a sério. Mas neste formato - andar em digressão durante um ano, fazer vídeos e esse tipo de coisas - não me interessa. É cansativo. Quer dizer, fiz 40 anos.

Mas aquela ideia do rock ser coisa de jovens para jovens está desenquadrada da realidade. É apenas um cliché. O que é que acha que Barack Obama ouve na Casa Branca? 

É verdade, mas é um pouco estranho. Sei que existem cada vez mais bandas nos 40, 50 ou 60 anos. Sei que as editoras cada vez mais apontam para esse público porque é o que tem poder de compra. Mas, não sei. Talvez seja natural. Talvez venha mudar de ideias no futuro. Mas neste momento não vejo nenhum propósito em continuar assim. Ser mais conhecido? Ganhar mais dinheiro? Não me parece. Ser como os U2, que têm de se reinventar de disco para disco? Respeito, mas não me quero reinventar. Quero ser eu, apenas isso. Quero dedicar-me mais à produção, a sessões de DJ, à jardinagem, sei lá.

Sente que demorou muito tempo a ser reconhecido?

Não. Perdi algum tempo a complicar, com uma ideia romântica do que era fazer música, ensaiar e ensaiar e esse tipo de coisas. Às tantas percebi que fazer música, ou outra coisa qualquer, é ter uma ideia e concretizá-la. Apenas isso. Parece fácil. Mas não é. É investir tudo nisso. Não é ser o melhor guitarrista do mundo. É se a ideia precisar do melhor guitarrista do mundo, telefonar-lhe, e perguntar se está disponível. Durante muitos anos achava que era tudo difícil. Não é verdade. Talvez tenha começado a fazer aquilo em que realmente acreditava tarde, mas sei lá o que é isso de ter começado tarde. Não sei.

O facto de ser um músico tardio também traz vantagens.

Sim, porque estou mais consciente do meu papel. Não, porque me canso mais depressa. Sim, porque tenho mais prazer hoje do que há dez anos. Não, porque às vezes sinto que faço parte de qualquer coisa onde já não faz sentido estar.

Quando partiu para a produção deste novo álbum havia a intenção de fazer diferente? Sente essa pressão ou é algo que não o preocupa?

Inevitavelmente pensa-se nisso, mas tento não pensar muito de forma a ficar preocupado ou até paralisado. Penso em fazer diferente, claro, mas não radicalmente diferente. É uma combinação. Desta vez tivemos mais tempo, fomos para L.A., foi mais confortável, mas o processo foi em tudo semelhante.

As letras parecem diferentes. Antes havia mais ironia, distanciamento, leituras duplas. Analisava a pop em geral e o seu trabalho em particular. Agora, em algumas canções, "I can change", "Pow wow", "All i want", "Home", parece haver uma perspectiva muito mais pessoal, a partir de si.

No princípio tinha algum receio, sentia que me estava a expor, ou aos meus amigos. Depois superei isso. Hoje já não me preocupo tanto. Quer dizer, tentei superar isso e consegui. Neste disco forcei-me a fazer algumas coisas com as quais não me sentia completamente à vontade. Uma delas foi utilizar mais o registo de falsete e a outra escrever letras mais pessoais. Mas não creio que as letras alguma vez tenham sido irónicas. Tentam apenas expor vários ângulos da mesma situação. Sou eu a pôr-me em vários papéis, talvez.

Numa entrevista disse que uma das suas canções preferidas era "Transmission" dos Joy Division, pela forma como a letra se ajustava ao som, no sentido de ambas criarem dinâmica rítmica. Não é tanto o significado que lhe interessa.

Sim, é uma excelente canção, pelo lado obsessivo, físico. É como se a canção fosse um objecto. "Transmission" é sobre o quê? É um tipo a gritar "dance to the radio!" a toda a hora e, na verdade, aquilo resulta. Tem um poder emocional incrível e não pensamos: "Oh! Este tipo é muito profundo!" Sempre gostei mais da música a partir da sua dimensão física, apesar de durante muitos anos não gostar de música de dança, por exemplo. Mas é verdade que a melodia, as letras, as harmonias, as vozes, sempre me interessaram menos do que esse poder, essa dimensão física.

E o que diz a quem é capaz de adorar uma canção de Bob Dylan ou Elvis Costello apenas por causa da letra?

Não acredito nelas... [risos]. Não faz grande sentido para mim. Gosto de música. É ela o centro. Também gosto muito de livros. Talvez essas pessoas gostem mais de livros, não sei.

A música dos LCD tem também qualquer coisa de neurótico e obsessivo. Isso sente-se particularmente nos concertos, quando levam até ao limite motivos repetitivos.

Sou neurótico, deve ser por isso... [risos]. Não gosto daquelas bandas que vão fazer carinhas para palco. Nunca o conseguiria fazer. Nisso, continuo a acreditar na ética punk - só faz sentido ir para palco quando se tem alguma coisa para dizer.

Os concertos dos LCD tendem a ser uma experiência, até porque o som normalmente tem grande potência. Há essa dimensão física que querem fazer passar ao público.

Sim, levamos muito a sério a preparação de um concerto. Num grande festival é sempre mais complicado, porque não dependemos apenas de nós, mas em todas as situações tentamos que exista um som envolvente, potente, para nós e para as pessoas. É importante sentir isso. Quando não acontece é meio caminho andado para falhar. Aceito os nossos falhanços. Uma noite má. Mas ter um mau som é qualquer coisa de intolerável. Prefiro não entrar em palco. É mentir às pessoas. Isso não.

Há anos dizia que não vivia com conforto a experiência de estar em palco. Ainda sente da mesma forma?

Depende. Às vezes pode ser muito gratificante, no sentido do prazer, noutras ocasiões terrível. Nunca me senti confortável. Inicialmente, pela minha voz. Nunca me senti grande cantor. Depois, sosseguei. Mas continua a ser um desafio. Nas primeiras digressões bebia álcool para me tranquilizar. Hoje já não faço isso. É muito duro estar em palco, pelo menos da única maneira em que acredito - sendo autêntico, não mentindo às pessoas, dando tudo. Sim, é duro, mas todos nós apreciamos estar em palco.

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