O futuro, agora, na Gulbenkian

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Miguel Manso

O ano passado, o anfiteatro ao ar livre da Gulbenkian, em Lisboa, havia-se convertido numa invulgar pista de dança, com o sírio Omar Souleyman ou os brasileiros Orquestra Imperial, no contexto do programa Próximo Futuro. Ontem, ao final do dia, voltou a acontecer, com a Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, do Benim, uma formação lendária, recuperada nos últimos anos, que tocou com músicos conhecidos como Fela Kuti ou Manu Dibango.

Em palco dez músicos capazes de fazerem a festa sem concessões, praticando um som ligado aos ritmos complexos das cerimónias sagradas do vudu do Benim, mas que desemboca numa sonoridade funk hipnótica, com sons de órgão, acordes de guitarras psicadélicas e derivações pelos blues, música cubana ou brasileira. Uma música física, difícil de definir – nem ocidental, nem africana, nem do passado, nem do presente. Intemporal.

Coisa exótica

Às tantas houve público a subir ao palco. À volta deste dançou-se. Os músicos incitaram o público. E o público incitou os músicos. Palco e plateia no mesmo cerimonial celebrativo, na conclusão da primeira semana do Próximo Futuro, que decorre até sábado. O programador geral, António Pinto Ribeiro, faz um balanço positivo dos primeiros dez dias. “Nunca estou completamente satisfeito, sou exigente, mas os principais objectivos estão a ser cumpridos, ao nível da qualidade – do programa, das obras, dos conferencistas – e da atmosfera”, diz. “As pessoas que vêm aqui sentem-se acolhidas e isso é fundamental.”

O Próximo Futuro é um programa de cultura contemporânea, incidindo sobre a investigação e criação na Europa, América Latina, Caraíbas e África. Tenta reflectir uma nova forma de estar num mundo onde a modernidade se produz, cada vez mais, segundo uma negociação planetária, e já não preponderantemente de acordo com os modelos ocidentais. Pelo formato, misturando reflexão e práticas artísticas, entre conferências, concertos, cinema, artes performativas ou exposições, e pela substância – incidindo sobre contextos não-ocidentais –, não é um acontecimento que seja facilmente apreensível no seu todo.

“No contexto português o programa aparece às pessoas ainda como coisa exótica”, reconhece Pinto Ribeiro. “É um programa que daqui a dez anos será mainstream, mas hoje não. Ainda há uma série de clichés sobre a América Latina ou África, não é fácil comunicar que estão aqui pessoas que serão o futuro do ponto de vista intelectual, da criatividade, de propostas para o mundo.”

Atitude de risco

É um programa que exige disponibilidade. Não se vai para confirmar o que se sabe. Vai-se porque se acredita que as propostas serão novas e aliciantes. Há uma dose de risco envolvida. “Disponibilizarmo-nos para ver coisas diferentes do habitual não é fácil, especialmente no contexto de depressão, de crise, que em Portugal é muito inibitório. As pessoas não estão disponíveis para a festividade”, argumenta Pinto Ribeiro, realçando, por outro lado, que é um privilégio que a Gulbenkian “se possa permitir – porque não está a competir com ninguém – ter uma atitude de risco e ser pioneira numa série de actividades”.

Até sábado decorrerá mais uma série de acções. Destaque para a comunicação, amanhã, de Mamadou Diawara (Média, música e normas em África, 18h30, Auditório 2) e, quarta-feira, do cabo-verdiano Victor Borges (Desafios de desenvolvimento: transformações societais e próximo futuro, 18h30, Auditório 2). No cinema, António Pinto Ribeiro destaca Los Viajes del Viento, do colombiano Ciro Guerra (amanhã, 22h, auditório ao ar livre), e Voy a Explotar (quarta-feira, anfiteatro ao ar livre, 22h), do mexicano Gerardo Naranjo, uma obra de 2008 que o programador do Próximo Futuro descreve como sendo “uma espécie de Tristão e Isolda em versão mexicana contemporânea”.

Na música, sexta, às 21h30, Lula Pena apresentará em antestreia o seu novo álbum, Troubadour. Estabelecer pontos de ligação entre todas estas actividades pode ser difícil ou ousado. Mas esses elementos estão lá, à espera de serem descobertos pelo público. De preferência, agora mesmo.

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