Nada de refúgios seguros para o dinheiro sujo

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Em tempos economicamente difíceis como os que atravessamos, existe um princípio a que deveria ser dada a mesma importância que aos temas que enchem as manchetes dos jornais, como os elevados défices e os programas de austeridade. Tal princípio pode ser resumido em poucas palavras: "Todos têm que seguir as regras."

A crise financeira global tem servido para mostrar que actualmente existe pouca tolerância para pessoas que enganam. E, desde que se iniciou a crise, os países do G-20 - com a França (e os Estados Unidos) como as principais forças - têm pressionado para uma maior regulação, cooperação e responsabilização. Nada de refúgios seguros para a evasão fiscal. Nada de refúgios seguros para lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo e nada de refúgios seguros para a "confortável regulação financeira".

Estes princípios são claramente aquilo que as pessoas nos países desenvolvidos querem ver reforçado. Em tempos duros como os que atravessamos, o dinheiro é importantíssimo.

Mas para os países em desenvolvimento existe toda uma outra dimensão na frase "seguir as regras". As pessoas aí querem ver o fim dos refúgios seguros que estimulam os funcionários corruptos a roubar dinheiro público e a guardarem-no no exterior. Assim, podíamos acrescentar: nada de refúgios seguros para os proventos da corrupção.

No lado dos impostos, tem havido claros progressos. A França impôs aos seus bancos uma maior transparência e exigiu relatórios sobre actividades bancárias em paraísos fiscais, para além das habituais trocas de informações a nível internacional.

Outros países têm demonstrado a sua liderança, perseguindo companhias que pagam comissões ilegais e subornam funcionários estrangeiros. Mas recuperar os biliões de dólares roubados pelos líderes corruptos e funcionários dos países em desenvolvimento tem até agora revelado ser um processo muito difícil e demorado.

O Grupo Banco Mundial, juntamente com o Gabinete das Nações Unidas para o Combate ao Crime e Drogas, está a trabalhar na iniciativa Recuperação de Bens Roubados, para perseguir ganhos conseguidos através da corrupção e ajudar a estimular a devolução de bens e valores pilhados aos seus legítimos proprietários: as pessoas nos países em desenvolvimento afectados.

A França, o Reino Unido, a Austrália, a Suécia, a Noruega e a Suíça apoiam este programa de emergência, e concordam que impunidade para este tipo de crime global não pode mais ser tolerada. O abuso da autoridade pública para lucro privado é inaceitável.

Estas questões de paraísos fiscais, fundos roubados, suborno e corrupção estão no âmago da urgente necessidade de fomentar a abertura e a transparência nas transacções financeiras e de assegurar responsabilização a nível global. Agora é a altura certa para criar ímpeto e conseguir resultados duradouros.

A corrupção - sob qualquer forma ou em qualquer circunstância - é um cancro que mutila tanto os países desenvolvidos como os países em desenvolvimento. Mina o crescimento económico. É um crime que provoca consequências particularmente danosas nos países em desenvolvimento.

Segundo estimativas modestas, em cada ano são desviados entre 20 mil milhões e 40 mil milhões de dólares de países em desenvolvimento através de suborno, apropriação indevida de fundos e práticas de corrupção. As oportunidades perdidas são imensas. Nos países em desenvolvimento, 20 mil milhões de dólares poderiam financiar 48 mil quilómetros de estradas alcatroadas de duas vias, ou prover tratamento durante um ano para 120 milhões de pessoas com sida.

É possível alcançar isto. A Suíça repatriou para as Filipinas 684 milhões de dólares do antigo Presidente Ferdinand Marcos e 700 milhões de dólares dos fundos do general Sani Abacha para a Nigéria e, juntamente com outros países, devolveu ao Peru mais de 180 milhões de dólares roubados por Vladimiro Montesinos, ex-director dos serviços secretos peruanos.

Por isso, agora que os líderes mundiais se reúnem no G-20 e outros fóruns para discutir a crise económica, programas de estímulo, regulação financeira e desenvolvimento, a luta contra a corrupção deverá manter-se como uma parte integral da agenda multilateral. Mas ainda nem todos os países do G-20 ratificaram a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção [sigla, em inglês, UNAC], que fornece um enquadramento para os países desenvolverem as suas próprias leis para esmagarem a utilização de refúgios seguros para criminosos que roubam nos países desenvolvidos.

O G-20 pediu mais acções fortes contra a corrupção. Agora devemos ir ainda mais longe. Os países que ainda não assinaram a convenção devem fazê-lo rapidamente. Os países que já assinaram e ratificaram a UNAC precisam agora de implementá-la.

As instituições financeiras também não devem ter relações comerciais com jurisdições que não cooperem - zonas que não cumpram as regras. A sociedade civil deve movimentar-se a favor da acção e da responsabilização. Lutar contra a corrupção é vital, não apenas porque é a coisa certa a fazer, mas também porque falhar nisso afectar-nos-ia a todos.

Vivemos hoje num mundo diferente, onde os países em desenvolvimento são uma fonte fundamental de crescimento, bem como importadores de bens e serviços indispensáveis de países desenvolvidos. Quando a corrupção atinge parceiros com esse nível de violência, também nos atinge a todos nós.

Christine Lagarde é a ministra da Economia, Indústria e Emprego de França. Ngozi Okonjo-Iweala é directora do Grupo Banco Mundial
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