Tanto sentimento!

Será que Andrew e Ben vão mesmo filmar-se num porno gay? Isso, em Humpday é como o “MacGuffin” de Hitchcock: está ali para distrair

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Se alguém, por facilidade, resumir Humpday a “uma história de dois amigos heterossexuais que resolvem participar num filme porno gay”, o filme que se “vê” (com a ajuda da tradução portuguesa: Deu para o torto) é algo próximo da comédia que lança personagens aos leões para gáudio do espectador nas bancadas. Mas Humpday não é isso, sendo, como é, a história de dois amigos heterossexuais, Ben (Mark Duplass) e Andrew (Joshua Leonard), que resolvem participar num filme porno gay.

Não se viam há muito e (tipicamente) não podiam ser mais diferentes: Ben está casado, assentou, Andrew vai enviando, de tempos a tempos, postais do seu périplo. Um dia Andrew interrompe a viagem e entra na conjugalidade de Ben; regressa a Ben. Tanto sentimento!

Na comunidade liberal e colorida onde vive Ben, vai organizar-se um festival de filme pornográfico. E é assim que estes trintões liberais querem contribuir com a sua criatividade. Sai de Ben e Andrew o desafio: em nome da arte, filmarem-se num porno homossexual. Por esta altura, no filme, já se percebeu que Humpday não é a comédia javarda do costume. É demasiado tagarela para isso. Há nestas personagens um voluntarismo que as torna mais próximas dos estrategas (condenados ao falhanço, hélas...) que são os homens e mulheres dos filmes de Rohmer. As personagens de Humpday são menos teimosas, é verdade. São mais doces na forma como se interrogam, como se deixam sabotar pelas suas certezas. Ou como se aventuram por lugares para onde não estão preparadas para ir.

E tanto sentimento! (E um olhar tão melancólico sobre uma geração e as suas impossibilidades...) Não abunda no cinema americano actual esta abundância — e pelo menos desde o cinema de John Cassavetes, em que as personagens eram, literalmente, derrubadas pelo que sentiam. O que titila em Humpday é a utopia de um desejo de fusão — sentimental. Sendo verdade que não há aqui nenhum Cassavetes ou Rohmer atrás da câmara e que o filme não está virado para a transgressão (ou não é capaz dela), Lynn Shelton está, como cineasta, totalmente metida com as personagens. Esta serena promiscuidade parece ser a natureza da coisa, e promiscuidade é também um dos dados deste novo naturalismo do indie americano a que chamam “mumblecore” (algumas indicações: poucos meios, diálogos atrás de diálogos, exposição dos sentimentos, improvisação, actores que também são realizadores envolvidos nos filmes dos amigos e envolvendo-se com os amigos...)

É verdade que até ao fim o espectador se pergunta: será que Andrew e Ben vão mesmo fazê-lo? Isso, em Humpday, é como o “MacGuffin” dos filmes de Hitchcock: está ali para distrair.

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