Vampire Weekend: o "indie" dança?

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Chris Baio saiu da universidade para uma das bandas mais populares da actualidade: os Vampire Weekend. Viaja mundo fora a viver o sonho rock´n´roll de qualquer adolescente

São o mais recente e abrangente fenómeno "indie". Número 1 nos EUA, digressões esgotadas, aclamação popular. Ainda assim, metade do mundo acha-os execráveis. Chris Baio, o baixista, fala-nos de uma geração a viver tempos difíceis. E gostava de ver a malta a dançar toda junta.

Chris Baio começa por pedir desculpa. Teremos que telefonar mais tarde. "Daqui a quarenta minutos". Quarenta minutos depois: "Não há tempo para descansar" - a primeira frase que lhe ouvimos. "No intervalo entre concertos, fomos a Los Angeles gravar um teledisco [para 'Giving up the gun'], depois temos promoção e depois regressam os concertos". O baixista dos Vampire Weekend anda demasiado ocupado.

De há dois anos para cá, a vida dele mudou. Aquilo que começou como um trabalho para a universidade - "Vampire Weekend" foi o título de um filme amador realizado pelo vocalista e guitarrista Ezra Koenig - transformou-se em banda e a banda transformou-se, depois do álbum de estreia homónimo, no fenómeno "indie" mais popular e abrangente dos últimos anos. O atarefado Chris Baio é um homem feliz. Feliz, mas com algum pudor nas manifestações públicas de euforia.

Vejamos. Lêramos Ezra Koenig afirmar que cada álbum dos Vampire Weekend reflecte um aspecto diferente da banda e oferecemos a declaração a Baio. O que revela então "Contra", o segundo disco da banda, editado no início de Janeiro? O baixista responde com autobiografia: "O nosso primeiro álbum mostrava a vivência da universidade. Este reflecte os anos seguintes, o amadurecimento e o crescimento que isso implica: ter que pagar a renda e arranjar um seguro de saúde, viver tempos mais difíceis que os da faculdade."

Chris Baio licenciou-se e saiu directamente da universidade para uma das bandas mais populares da actualidade. Viaja mundo fora a viver o sonho rock'n'roll de qualquer adolescente e diz que a vida "está mais difícil". Curioso, não? Nem tanto. "Tenho a perfeita consciência que sou afortunado por poder fazer o que quero da minha vida e serei imensamente feliz se o puder fazer nos próximos 15 anos. Mas isso não implica que não tenha amigos que estão terrivelmente confusos, sem saber o que podem e o que querem fazer da vida. A posição em que esta geração se encontra não só permite reflexões muito interessantes como acabou por ser uma inspiração [para 'Contra']". Há uma razão para Chris Baio fazer questão de se justificar. Recuemos.

Lá em cima

Há duas semanas, "Contra" o segundo álbum dos Vampire Weekend subiu ao primeiro lugar do top americano. Lá em cima, no lugar ocupado por sua alteza Beyoncé Knowles e por aquela senhora que só os americanos percebem e que acabou de ganhar muitos Grammys, Taylor Swift. Lá em cima, nesse espaço onde parecia não haver lugar para bandas rock da constelação a que se convencionou chamar "indie".

Dizíamos então que, há duas semanas, os Vampire Weekend atingiram o topo do mundo e o mundo rejubilou. Todo o mundo? Nem por sombras. Metade dele acha os Vampire Weekend execráveis, nada menos que uma cambada de miúdos privilegiados a mostrar de forma demasiado evidente a sua literacia enquanto pilham música africana para atingir fins perversos: isto é, para compor canções pop que acabam a ser dançadas por toda a gente no topo do mundo.

Claro que em Portugal, onde todos os portugueses são por norma portugueses, esta discussão de classe e apropriação cultural que envolve os Vampire Weekend é coisa marginal. Nos EUA, porém, um americano é irlandês se a árvore genealógica provar que o tetravô aportou em Nova Iorque, vindo de Dublin, em 1867. Em Nova Iorque, existem bairros de orgulhosos polacos chamados Kevin que não fazem a mínima ideia quem foi Andrej Juskowiak, Oprah Winfrey fez uns testes de ADN e adoptou a Libéria como nova pátria. Ali, as questões identitárias são questão relevantíssima e os Vampire Weekend estão no centro da discussão.

Quando editaram em 2008 o primeiro álbum, homónimo, puseram-se a jeito: o ar limpinho, os pólos e sapatos de vela de beto; as guitarras de bamboleio congolês e a definição da sua música como "upper west side Soweto"; o currículo que incluía frequência da exclusiva Universidade de Columbia e uma tendência para preencher as canções de referências de gente lida (misturando-as com um apreço nunca escondido por Ralph Lauren). N'América e restante universo anglo-saxónico, isto deu pano para mangas. Para a maioria da população mundial que conhece os Vampire Weekend, a polémica nunca o chegou a ser.

E na verdade, não havia grande pachorra para tal discussão enquanto se descobria esta contagiante invenção pop: fruímo-la como banda rock, e é essa a sua formação, mas cabem lá pops africanos bastardos, experiências new wave sem excessos de reverência e pops de quando a pop não existia (os pianos e as orquestrações apontando paisagens mais eruditas). Ainda assim, os Vampire Weekend de aspecto limpinho e inofensivo não esqueceram e, agora que editam "Contra", encaram de frente o ruído à sua volta. Pior que isso. Provocam - e isso só nos faz gostar mais deles. É a rapariga da capa do álbum, uma visão cliché daquilo que será uma fã da banda, mas que, na verdade, é foto com mais de duas décadas de vida - "encontrámo-la na net e achámos logo que era uma imagem muito icónica e poderosa", conta Chris Baio. É o título do álbum, "Contra", que Ezra Koenig, o vocalista, explicou ser exploração da ideia de conflito inerente à palavra - enquanto serve de reflexo com o seu quê de perverso de "Sandinista", dos Clash (perverso porque os Contras, a guerrilha apoiada pelos Estados Unidos que derrubou a Frente Sandinista de Liberation Nacional na Nicarágua, foram os crápulas daquela história). Música gravada e álbum editado sobressai a atitude "combativa" de Koenig e companhia, acusando os seus críticos de entrarem numa competição infantil para mostrar quem é mais punk, quem teve o percurso de vida mais difícil. "Ninguém, somos todos privilegiados", sentencia o vocalista. Voltemos a Chris Baio.

Para o baixista, a música dos Vampire Weekend constrói-se da efabulação do real. Das pessoas que se imiscuem, transformadas, nas suas canções - como no "Diplomat son" que é homenagem a Joe Strummer, mas em cuja letra não há na sinais do lendário punk filho de embaixador. "Contra", diz Baio, tem como pano de fundo a Califórnia. Foi lá que germinou o novo álbum, foi de lá que a banda retirou personagens e ambiente. Que nele convivam "Horchatas" para sonhar com o Verão e a melancolia de "Taxi cab" não é surpresa.

Os Vampire Weekend foram para a estado de Schwarzenegger com a cabeça cheia da literatura e do cinema que a Califórnia, o local onde a ideia do sonho americano está inscrita da forma mais poderosa, inspirou e produziu. "Contra" conjuga essa imagem romantizada com aquilo que os Vampire Weekend encontraram: "A Califórnia está falida enquanto estado e Los Angeles não é apenas brilho e glamour. É uma cidade que pode ser terrível, pela elevada taxa de crime, pelos muitos sem abrigo. Não é uma realidade unidimensional e não é possível ser abertamente sarcástico em relação a tudo aquilo". Estamos então de volta ao início, às dificuldades da saída da universidade e do encontro com o mundo real, com a geração que não sabe o que fazer com o presente, quanto mais com o futuro - pelas mãos dos Vampire Weekend, ei-lo representado simbolicamente em Los Angeles.

Acontece que não tivessem eles falado da Califórnia, o mais provável seria a fonte de inspiração ficar reservada para biografias por vir. "É um lugar que estimulou ideias musicais", concede Baio, mas Nova Iorque continua a ser a cidade de onde emana verdadeiramente esta música: "foi onde começámos a banda, foi onde fizemos os nossos discos, é onde vivemos".

Parece haver muito quem queira complexificar o que são e o que é a música dos Vampire Weekend. E eles até gostam de racionalizar, de polemizar q.b., de discutir as canções que fazem e o lugar que ocupam, hoje, no cenário musical. Mas, conversa deitada boca fora, acabam em mãos com o essencial. "Um grupo de pessoas num mesmo espaço, a dançar uma mesma música, é uma experiência colectiva muito forte", diz-nos em determinado momento Chris Baio, lamentando senti-la "cada vez rara, à medida que as pessoas passeiam pela rua com os seus iPods, habituadas a viver a música individualmente - isso foi algo que esteve nos nossos pensamentos enquanto fazíamos este disco".

Pois bem, agora são número 1 no seu país, têm concertos esgotados em todo o lado, "Contra" nas tabelas de países de outros. Digamos que as vozes discordantes são inaudíveis perante o volume das canções que o povo com eles dança.

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