Virou!

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A voz de Vitorino surge logo a início, qual figura tutelar. Os Diabo na Cruz chegam logo a seguir. A guitarra eléctrica em "fade in", a viola braguesa a tomar-lhe o lugar por breves instantes e, depois isto: uma funkalhada com nervo onde cabem Rapture e adufes, onde se fala de lebres e silvados enquanto a música nos puxa para pista de dança sem vestígio de bucolismo.

Os Diabo Na Cruz estão em terra de ninguém e a ambição é toda deles - de Jorge Cruz, o "ideólogo" da banda, acompanhado pela secção rítmica formada por João Pinheiro e Bernardo Barata, pela viola braguesa e vozes de B Fachada e pelas teclas de João Gil. Estão em terra de ninguém porque desde os Titãs, a Filarmónica Fraude ou a Banda do Casaco que a tradição musical portuguesa e os roques e pops anglo-saxónicos têm medo de se cruzar em abraço fraterno. Os Diabo na Cruz são portanto, e antes de mais, uma óptima ideia. São depois disso uma boa concretização dessa ideia. Atiram Fuas Roupinho para o Chiado e misturam o lirismo de Vitorino com "Pavementzices" à guitarra ("Dom Fuas Roupinho"). Aproveitam o surrealismo popular para as letras de Jorge Cruz, deitam o ouvido a Fausto e acham por bem levá-lo a visitar terras de Canterbury (os teclas de "Bico de um prego" ilustram a viagem). É certo que, as duas últimas canções, "Corridinho de verão" e "Bom tempo", não estão à altura do resto do álbum, mas com o garage rock para baile no pelourinho de "Fecha a loja" e com o yé yé de Hammond contagiante de "Casamento"; com, no sentido oposto, o bordão de sintetizador em "Canção do monte" (o álbum devia terminar com ela) a conduzir-nos aos amplos mistérios da tradição (de onde vêm estes sons e estas vozes que cantam assim?), percebemos que o "Virou!" do Diabo na Cruz é um início que muito promete.

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