d3ö: a ordem natural de uma coisa chamada rock'n'roll

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Pedro Mede/PÚBLICO

Oito anos, três EPs e centenas de concertos depois, editam "Exposed", primeiro álbum. Mas em 2009, os d3ö são os mesmos: três tipos que são uma banda e o rock'n'roll que essa banda faz.

Quando foi mesmo que os vimos pela primeira vez? Há muito tempo certamente, que o primeiro concerto aponta lá para bem longe, algures em 2001, quando os Parkinsons andavam a tomar as ruas de Londres e se anunciava em parangonas que o rock'n'roll tinha regressado para tomar o mundo - tudo culpa de um quinteto de ténis all-star e gravata fininha, os Strokes, de um duo vestido de vermelho, os White Stripes, e de tudo o que se seguiu. Não os vimos no início de tudo, precisamente na primeira parte de um concerto dos Parkinsons. Mas vimo-los logo depois.

O vocalista Toni Fortuna a provocar o público em voz e corpo, guitarra muito dourada e muito glam. Miguel Benedito, o baterista, já então maquina de precisão impressionante, a batucar as peles e o cabelo da poupa a reproduzir o movimento do ritmo. Tó Rui, o guitarrista dos solos repletos de eco psicadélico, dos feedbacks encostado à coluna, tudo concentração no som; e tanto quanto são "descontração-quero-lá-saber" os seus comentários entre canções - não há cá poses, é olhar em frente e "cá vai disto".

Esses foram os d3ö que vimos há muito tempo, ali em 2001. Tudo em tronco nu no final, depois das "bluezadas" transformadas em libertação de testosterona, depois dos assaltos "Stoogeanos" e do bom movimento de anca - com inflexão de voz à Elvis que não foi para a tropa, porque há idiossincracias tão marcantes que se tornam património da Humanidade.

Oito anos depois, agora que editam "Exposed", o primeiro longa-duração, olhamo-los novamente. Claro que não os perdemos de vista: editaram três EPs, "SixPackTrack" (2003), "8 Tracks On Red" (2004), "7 Heartbeat Tracks" (2005), editaram singles e uma caixa e, mais importante, não pararam de tocar - país acima, país abaixo, uma corda de guitarra que se parte e o rock'n'roll não há-de parar por isso, uma mezzanine que há-de ser tomada de assalto porque o rock'n'roll é frémito que toma conta de um gajo e um gajo sabe como as coisas começam mas não vale a pena prever como acabam.

Portanto, oito anos depois, cá estão os d3ö. "Exposed" é o álbum. Diz-se que já não acabam os concertos em tronco nu e comprovámo-lo recentemente quando apresentaram o novo disco no Musicbox, em Lisboa. Em 2009, não se diz que o rock'n'roll vai tomar conta do mundo porque foi alucinação que durou quinze minutos e depois arranjou-se outra coisa qualquer para levar o mundo adiante. Em 2009, os d3ö mudaram: "é impossível tocar tanto tempo com as mesmas pessoas e não saber como fazem o que fazem, como respondem às coisas", diz-nos Toni Fortuna. Em 2009, concluímos, os d3ö são os mesmo naquilo que é essencial. Três gajos que são uma banda e o rock'n'roll que essa banda faz.

Nada de sonhos de grandeza que isso são alucinações pouco interessantes: "Podíamos ter fogo-de-artíficio a explodir em palco", alucina Tó Rui, "mas para quê? Que pose é que eu tinha de fazer? Não dá para isso". Não, não dá. A chama dos d3ö é outra. Toni Foruna: "O conceito é o mesmo de sempre: ‘Isto está a soar bem?' Seguir em frente. A ordem natural das coisas". Nada de truques.

Grande produção

O título "Exposed", de resto, aponta logo isso mesmo. Isso? Fortuna explica-o. Conta-nos da sessão de fotos que fizeram com o fotógrafo conimbricense Pedro Medeiros, que ilustra o novo álbum. Meteram-se num campo de milho - Fortuna passa por ele diariamente - e deambularam: "foi combinado às seis da manhã, com toda a gente de directa, rebentada, tudo com ar de quem não conseguia fazer mais nada senão estar ali". Resume: "Pusemo-nos numa situação e vimos no que dava".

Ao longo da conversa com o Ípsilon, há uma ideia que se vai repetindo. A noção de verdade, de que só despindo tudo o que é supérfluo esta música faz sentido. Daí as fotos a preto e branco, dizem, daí preferirem gravar de modo artesanal, em fita: prezam a "fidelidade do analógico", como define Tó Rui, a forma como isso lhes permite incorporar o erro, quase valorizá-lo - "se, num take, um pormenor estiver mal e tudo o resto exactamente como se deseja, deixe-se ficar o erro que daí a algum tempo tocamos com ele".

A gravação de "Exposed" deu-lhes oportunidade para explorar isso. Gravado em dois períodos de três dias, é aquilo a que, segundo o standard dos d3ö, chamaríamos uma "grande produção" - de facto, concede Fortuna, "não foi gravado em dois dias e preparado na semana anterior [como os Eps]". Desta vez, o trio abalou de Coimbra para a Lousã, instalou-se no espaço amplo da Filarmónica local e, entre as aulas de ballet e os ensaios da orquestra que ali tinham lugar, com um dia de incêndios pelo meio - ruído de helicópteros e sirenes e eles a tentar inclui-los na música ("não ficou bem, é pena") -, nasceu "Exposed".

Álbum dos d3ö, indiscutivelmente, felizmente: conhecemos aquela vertigem, aquela urgência, aquele modo de atacar a guitarra e a forma como a voz se liberta. Nele, interessa sobretudo isto: há novas canções e não soam velhas, batidas, esgotadas. É, digamos, o "best of" de uma atitude, de uma ideia de rock'n'roll. "Na verdade", confessa Toni Fortuna, "nunca sentimos grande necessidade de ter um álbum. Temos necessidade continuar a tocar, de editar sempre que nos for possível, de prosseguir. Isto [o disco] não representa pormos a cabeça no sítio e descobrir o que quer que seja". A ordem natural das coisas: "Tínhamos coisas novas, gravámo-las. Agora já temos outras".

Não há segredos. Existem estas canções e os d3ö a agarrarem-nas para fixar um momento, antes de prosseguir viagem.

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