Um ressaca é uma ressaca, e não há nada a fazer

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Comer bananas cura uma ressaca? DR

A nossa vida quotidiana está cheia de mitos, que é preciso desfazer com provas científicas. Com este propósito, dois cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Indianápolis, nos Estados Unidos, deitaram mãos à obra e procuraram, em centenas de revistas científicas do mundo inteiro, artigos sobre seis dos mais comuns mitos sobre as quadras festivas e o Inverno.

A ideia era perceber se alguns destes estudos negavam ou confirmavam esses mitos, para que pudéssemos todos passar um Natal mais descansado. Podemos comer a consoada em paz ou é mesmo verdade que comer à noite engorda mais? E quanto ao fim de ano, há alguma receita para curar a ressaca? Se uma das nossas crianças comer a estrela-de-Natal pode morrer?

As conclusões do trabalho, que foi convenientemente guardado para o número especial de Natal do British Medical Journal, são claras: os mitos não passam disso mesmo e, cada vez que são colocados sobre o olhar racional da ciência, não passam no teste. Por isso, da próxima vez que lhe disserem que não usar gorro na neve pode matá-lo de frio não acredite. E esqueça as bananas.

Mito 1 - O açúcar torna as crianças hiperactivas?

Para desfazer este mito, Rachel Vreeman e Aaron Carroll consultaram 12 estudos, que verificavam a reacção das crianças a dietas com diferentes níveis de açúcar. Como escrevem no artigo do BMJ, "nenhum destes estudos, nem mesmo aqueles que estudaram especificamente crianças com deficiências de atenção/hiperactividade, detectaram quaisquer diferenças entre as crianças que tomaram açúcar e as que não tomaram". Os estudos com crianças "sensíveis" ao açúcar revelaram os mesmos resultados: não há alterações de comportamento entre aqueles que comem muito açúcar e os que não comem nenhum.

Já quanto aos pais destas crianças, que alguns estudos também analisaram, aí os investigadores encontraram diferenças claras: quando se dizia aos pais que as crianças tinham bebido um qualquer líquido com açúcar (mesmo que isso não tivesse acontecido), os progenitores conseguiam ver um claro aumento de hiperactividade nas crianças. "As diferenças no comportamento das crianças estavam todas na cabeça dos pais", escrevem os cientistas.

Mito 2 - Há mais suicídios nas quadras festivas?

Diz o senso comum que é na época de Natal que as pessoas que não têm família mais se sentem sozinhas e que os longos meses de Inverno podem ajudar na depressão. No entanto, os estudos científicos publicados até ao momento não parecem indicar qualquer aumento de suicídio durante as quadras festivas. Nos Estados Unidos, um estudo de suicídios ao longo de 35 anos não revelou qualquer aumento da tendência antes, durante ou depois das festividades. Dados da Irlanda, entre 1990 e 1998, também não mostram aumento de suicídios nestas alturas. Quanto ao Inverno, a estação que muitos apontam como a mais deprimente, o mito não podia ser mais mito: em todo o mundo, os suicídios aumentam nos meses mais quentes e são menores nos meses mais frios. "É claro que estas provas não sugerem que os suicídios não acontecem nas quadras festivas. A evidência apenas não apoia a ideia de que esse período é uma altura de risco acrescido", escrevem os investigadores.

Mito 3 - As Estrelas-de-Natal são tóxicas?

Não se sabe porquê, mas há muita gente que acredita que as "estrelas-de-Natal", aquelas plantas com folhas verdes, vermelhas e (algumas vezes) brancas, são tóxicas. Os investigadores que realizaram este artigo para o British Medical Journal não descobriram qualquer evidência de que este mito seja verdadeiro. Numa análise dos 849.575 casos de exposição a plantas, disponíveis nos American Association of Poison Control Centres, apenas 22.793 envolveram as estrelas-de-Natal e, em nenhum deles, houve qualquer intoxicação. Mesmo nas 92 ocasiões em que as crianças analisadas consumiram uma quantidade assinalável de plantas. Escrevem os investigadores da Faculdade de Medicina de Indianápolis que "os toxicologistas concluíram que a exposição e a ingestão de estrelas-de-Natal podem ser tratadas sem recurso a instalações de saúde".

Mito 4 - Quem não cobre a cabeça perde muito calor?

Um antigo manual do Exército Americano - que diz que "40 a 45 por cento" do calor corporal sai através da cabeça - é talvez a origem deste mito sem qualquer fundamento científico. Por causa dele, as pessoas têm a ideia que, nos meses de muito frio, devemos cobrir a cabeça, sob a pena de ficarmos congelados muito rapidamente. "Se isto fosse verdade, os humanos teriam tanto frio [sem gorro] como se estivessem sem calças", dizem Rachel Vreeman e Aaron Carroll. Segundo a pesquisa efectuada por estes dois investigadores, não há quaisquer estudos que provem que o calor corporal se perde mais facilmente através da cabeça, antes pelo contrário: "Qualquer parte do corpo perderá calor e reduzirá a temperatura do corpo proporcionalmente". Ou seja, quanto mais estiver destapado mais calor se perderá e isso não tem necessariamente a ver com o facto de se ter um gorro...

Mito 5 - Comer à noite faz-nos gordos?

Pode a consoada ajudar para um aumento de peso considerável? Sim, dizem os cientistas, mas não necessariamente pelo facto de a refeição ser à noite. "As pessoas ganham peso porque consomem mais calorias do que as que queimam", escrevem os investigadores, a propósito de um estudo de 83 mulheres obesas e 94 não-obesas na Suécia. Neste estudo, as mulheres obesas tendiam a concentrar as suas refeições na tarde e à noite. Um outro estudo com homens suecos não mostrou quaisquer relações entre aumento de peso e refeições nocturnas. Os investigadores encontraram ainda outros estudos com importância para este mito: o primeiro, que envolveu 2500 pessoas, conclui que comer mais do que três vezes ao dia está relacionado com a obesidade; o segundo sugere que não comer ao pequeno-almoço pode ajudar a ganhar peso, uma vez que a ingestão de calorias não é tão distribuída ao longo do dia. "Por outras palavras", dizem os investigadores, "quando se comem três refeições, é menos provável comer em demasia em qualquer uma delas."

Mito 6 - Pode curar-se uma ressaca?

A Internet está cheia de sugestões para tratar a ressaca - aspirina, bananas, água, sumo de tomate, cerveja, limão, café, chocolate e muitas mais -, mas nenhuma delas tem qualquer fundamento científico, segundo concluem os investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Indianápolis. Dos estudos encontrados pelos cientistas, nenhum parece ter qualquer solução milagrosa para acabar com uma ressaca: nem cardo, nem cactos, nem flores silvestres, nem fructose, nem glucose. De todos os produtos testados cientificamente, nenhum mostrou quaisquer capacidades para aliviar uma ressaca. "Uma ressaca é causada pelo excesso de consumo de álcool", dizem os cientistas. "Por isso, a maneira mais eficaz de evitar uma ressaca é consumir álcool com moderação ou nem sequer o consumir."

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