Alfredo da Silva, o fundador

Quando, há exactamente cem anos, Alfredo da Silva inaugurou oficialmente a primeira fábrica da CUF no Barreiro (ligada à extracção de bagaço de azeite), já tinha todo um historial de gestor e empresário.

Ao contrário do mito que subsistiu à sua volta durante o Estado Novo, Alfredo da Silva não é o caso de um pessoa sem recursos que constrói o império a partir do nada. Nascido em Lisboa a 30 de Junho de 1871 no seio de família burguesa bem abastada da capital, ficou órfão do seu pai, Caetano da Silva, aos 14 anos. Dele herda, entre outros bens, vários lotes de acções, e, cerca de seis anos, com o curso superior de comércio do antigo instituto industrial, começa o seu périplo de negócios. Depois de ter liderado com sucesso um grupo de accionistas contra a administração do Banco Lusitano, que considerava ser mal gerido, entra no capital da Companhia Aliança Fabril (CAF), após comprar a posição que estava nas mãos do Banco de Portugal. Sem o saber, estava a lançar as sementes do que viria a ser o maior grupo português.

A CAF, que fabricava e vendia sabões e velas (envolvendo-se depois nos adubos), estava localizada em Alcântara e contava com o banqueiro Henry Burnay no grupo de accionistas. O banqueiro, por sua vez, tinha também uma posição na concorrente União Fabril. Com os produtos internacionais a pressionar os preços, começa-se a estudar a fusão das duas empresas, o que acaba por acontecer após um incêndio que afectou as instalações da CAF em Alcântara. Dessa união resultou a Companhia União Fabril (CUF), tendo em vista a "grande concorrência na fabricação e venda de óleos vegetaes e do sabão, feita pelos fabricantes do Reyno, e da lucta que sustenta-mos com as fábricas de velas para illuminação, favorecidas estas por contratos de commercio recentes (sic)..." conforme se lê no livro de actas. Homem viajado, autoritário e conservador (foi apoiante de João Franco, Sidónio Pais e do Estado Novo), Alfredo da silva começa a perceber o potencial do mercado dos adubos numa altura em que o Governo lançava a lei da fome, em 1899, para potenciar o cultivo de cereais no Alentejo. A sua visão implicava a necessidade de espaço físico, e o empresário acaba por se decidir pelo Barreiro. A partir daqui esta localidade nunca mais foi a mesmo (ver entrevista na pág. 6).

"O Barreiro já é outro, pelo aspecto, (...), pelas altas chaminés que fumegam dia e noite, pelo odor horrível das emanações químicas que se esparge no ar, pelas aspirações sociais impetuosas das centenas de operários que se concentram nesse colosso industrial(...)", escreveu o seu amigo Caetano Beirão da Veiga por volta de 1910.

Entre muitos outros negócios em que se vai envolvendo, Alfredo da Silva avança com uma unidade de produção de superfostatos para fabricar e vender adubos químicos, passa a produzir tecidos para as sacas dos produtos, entra na navegação e nos territórios africanos para controlar o transporte e matérias-primas, compra a casa Totta, arrecada a exploração do Porto de Lisboa, ganha o negócio dos tabacos (através da Tabaqueira) e investe na metalurgia. Tudo isto não foi feito sem sobressaltos, destacando-se os exílios voluntários em épocas mais conturbadas e os três atentados de que foi vítima. O mais grave ocorreu em Outubro 1921 quando Alfredo da Silva ir para Espanha. Em Leiria vê-se confrontado com uma multidão em fúria, que troca tiros com o seu segurança. O empresário é espancado, esfaqueado e leva mesmo com um tiro de pistola no estômago. "Supus que era o fim", contou o próprio ao jornal O Século. Regressará definitivamente em 1927, após o sucesso da ditadura militar. A 23 de Agosto de 1942, o mesmo jornal dará destaque de primeira página ao seu falecimento. "Morreu ontem o grande industrial Alfredo da Silva, exemplo raro de actividade ao serviço da economia nacional", noticiava-se. O legado seria gerido pelo genro, D. Manuel de Mello, pai de Jorge e José de Mello.

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