Provedora promete luta a “eventuais arbítrios” dos centros de emprego

Foi nomeada coordenadora da comissão de recursos, mas começou desde logo a ser designada como Provedora do Desempregado. Em entrevista ao PÚBLICO, Cristina Rodrigues faz questão de vincar a independência da equipa que vai dirigir

Quem vê cancelado o subsídio de desemprego, já tem para onde recorrer. Com a nomeação, esta semana, dos vice-coordenadores regionais está já em funções a Comissão de Recursos criada pela nova lei. A promessa de Cristina Rodrigues é lutar contra “eventuais abusos” dos centros de emprego. O facto de depender de um órgão com representantes do Estado, dos patrões e dos sindicatos dá, em seu entender, garantias de imparcialidade

P. As notícias da sua nomeação apresentam-na como provedora do desempregado, mas formalmente não é assim, pois não?

R. Essa é talvez a primeira questão a clarificar. Vulgarizou-se a expressão ‘provedor do desempregado’, mas aquilo para que fui convidada foi para coordenadora da comissão de recursos. A comissão não tem tanto essa função de ‘provedor’, preocupa-se com as pessoas beneficiárias do subsídio de desemprego a quem - por não cumprirem com alguma das obrigações que decorrem desse facto - foi anulada a inscrição no centro de emprego, o que determina a cessação do subsídio. A função da comissão, que não se confunde com a administração do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), é analisar, de forma imparcial, os recursos que os titulares de prestação de desemprego venham a interpor da decisão dos directores dos centros de emprego

P. Quem é que a convidou?

R. O presidente do Instituto do Emprego, que é simultaneamente presidente do conselho directivo e do conselho de administração, com o acordo dos parceiros sociais.

P. A ligação ao IEFP pode ser vista como um sinal de menor independência.

R. Nós não dependemos do conselho directivo do IEFP, dependemos do conselho de administração. É a ele que prestamos contas. E o conselho de administração é uma experiência notável porque é tripartido, estão representados as confederações patronais, sindicais e o Estado. Portanto, essa nomeação e o reportar e prestar contas ao conselho de administração é uma garantia da imparcialidade e da isenção da comissão.

P. Estão na fase de instalação, já têm algum recurso para apreciar?

R. Já houve alguns recursos interpostos desde o início da aplicação da actual lei. Simplesmente, até à criação da comissão estavam a ser analisados pelo delegado regional [do IEFP] respectivo. A partir de agora, os recursos pendentes passam para a comissão. Numa primeira instância, o vice-coordenador regional analisa e decide. Depois, se a decisão não vai ao encontro das suas pretensões, o beneficiário pode recorrer para a comissão coordenada por mim.

P. Falou em alguns casos. Consegue quantificar?

R. Já foram decididos pelos delegados regionais mais de cem recursos de decisões de directores de centros de emprego. Neste momento estão pendentes cerca de 50, que vão transitar para a comissão

P. São casos em que os beneficiários não se conformaram com as decisões?

R. Exactamente. São casos em que o director do centro de emprego decidiu anular a inscrição por entender que a pessoa não cumpriu as obrigações. Esta legislação é muito exigente para ambas as partes, para a administração e para os beneficiários, e impõe-lhes compromissos para beneficiarem de subsídio de desemprego. Têm que ser capazes e disponíveis para o trabalho. E disponível para o trabalho significa um conjunto de obrigações (procurar activamente emprego, não faltar a convocatórias, ter que aceitar ‘emprego conveniente’, fazer formação, etc.). No caso de a pessoa incumprir, o director do centro de emprego tem que tomar providências e pode decidir pela anulação da inscrição, o que tem como consequência a cessação do subsídio. É dessa decisão que as pessoas podem recorrer para o vice-coordenador regional que opera na área do centro de emprego.

P. O número de casos que referiu é um indicador do volume de recursos em velocidade de cruzeiro?

R. Ainda não estou em condições de lhe responder a essa pergunta. Sei que houve recursos, mas neste momento [ainda] não conheço, por exemplo o teor deles. Tenho dificuldade em dizer que são desta natureza ou daquela, ou que vai haver mais ou haver menos.

P. No ministério ou no IEFP não há informação que permita tipificar os motivos das reclamações?

R. Sei que há situações que se prendem com os correios, com notificações que não chegaram em tempo, mas é prematuro falar disso.

P. Há um elevado número de recusas na atribuição do subsídio de desemprego, mais de 20 mil pessoas desde que a nova legislação entrou em vigor, no início do ano, o que pode indiciar um elevado número de reclamações.

R. São situações diferentes. Esta comissão não se preocupa com isso. Aí estamos a falar de um momento anterior, em que o centro de emprego ou a Segurança Social decide se a pessoa tem ou não direito a subsídio. Esta comissão preocupa-se apenas, e já é muito, com as pessoas que, estando desempregadas e a receber subsídio, vêem anulada a sua inscrição e cortada a hipótese de poderem receber subsídio. Essa situação não é competência nossa.

P. Estava a referir, por exemplo, o emprego conveniente [emprego que, tendo em conta as suas aptidões, o beneficiário pode ter que aceitar, ainda que em área diferente daquela em que antes trabalhou]. Não lhe parece que eventuais discordâncias do beneficiário sobre o que possa ser, serão competência vossa?

R. Se a pessoa não aceitar o ‘emprego conveniente’ e houver discordância entre a pessoa e o director do centro de emprego, esse tipo de recurso vem para nós.

P. Lendo a portaria que cria a comissão fica-se com a ideia de que poucos casos acabarão por lhe chegar à mão, ou ao conjunto da comissão. Só quando houver um segundo recurso...

R. Tem razão. Em primeira instância, se quiser, a pessoa recorre para o vice-coordenador da região. Depois, numa segunda instância, se não se conformar com a decisão, recorre para aqui, onde nós temos um papel decisório enquanto comissão. Ainda que nem todos os casos venham aqui, há um trabalho de uniformização de decisões que tem que ser feito. Esta legislação significa um reforço das garantias dos particulares relativamente aos eventuais fundamentalismos da administração. Ora aquilo que não pode acontecer é que a visão do Algarve seja diferente da visão do Norte. É essa função de coordenação que compete à comissão em conjunto e a mim em particular.

P. A comissão dificilmente desautorizará um dos seus membros, que tomou uma decisão anterior.

R. Neste momento não sei. Espero que as decisões dos vice-coordenadores sejam absolutamente imparciais e justas, espero que não haja grandes discrepâncias, mas pode haver um entendimento diferente e pode o colectivo decidir que houve necessidade de corrigir uma decisão anterior. Agora eu entendo que o papel desta comissão passa muito por conseguirmos ter um parâmetro que seja comum, critérios comuns aferidos entre nós todos.

P. A situação que lhe estava a pôr pode colocar-se: alguém ter de decidir em causa própria.

R. Mas é uma comissão. A pessoa não vota sozinha. Vai estar com os seus colegas vice-coordenadores regionais e comigo própria. É uma instância diferente e admito que haja situações em que tenhamos que tomar uma posição diferente.

P. Do seu ponto de vista, o que é que os desempregados ficam a ganhar?

R. Há um reforço da garantia dos particulares. [É positivo] o facto de não se decidir dentro da mesma estrutura hierárquica, onde pode haver a tentação de decidir no mesmo sentido da instância imediatamente anterior. Esta é uma comissão imparcial, que vai analisar as pretensões dos desempregados, protegendo-os de eventuais arbítrios. Muitas vezes a administração tem menos em conta os interesses dos particulares. Os desempregados deverão ver nesta comissão um acréscimo das suas garantias. Das nossas decisões apenas cabe recurso para os tribunais, não há uma tutela relativamente às nossas decisões.

P. O seu papel poderá ser pró-activo, no sentido de ‘fazer doutrina’ sobre estas matérias – estou a pensar no que faz, por exemplo, o Provedor de Justiça – ou vai apenas dar resposta às questões colocadas?

R. A ideia é dar resposta aos recursos. Agora imagine que há “n’ situações em que verificamos que as decisões dos directores dos centros de emprego não serão exactamente conforme a lei ou, de algum modo, estão a falhar: os nossos relatórios, que reflectem o sentido das nossas decisões, são também uma espécie de recomendação aos serviços acerca das decisões que estão a ser tomadas.

P. Uma das obrigações da nova lei é a apresentação quinzenal das pessoas desempregadas. Há vários lugares onde isso pode ser feito, um deles são as juntas de freguesia. Não lhe parece que isso, que pode ser uma vantagem, funciona também como um estigma para a pessoa e pode dificultar a reinserção, já não profissional mas social?

R. É uma coisa que me transcende um bocadinho, mas repare que a pessoa só vai à junta de freguesia se quiser. É uma opção. A pessoa deve apresentar-se no centro de emprego. Os outros locais são alternativos e são importantes, porque nós muitas vezes pensamos numa lógica de Lisboa, mas há muitas freguesias do país em que até ao centro de emprego distam 40 quilómetros. À partida não me parece que haja problema por aí. Achei uma boa medida, porque aproxima as pessoas do local onde têm que cumprir as obrigações.

P. Já alguém lhe ligou a pedir emprego?

R. Pedir emprego não. Mas como houve alguma confusão com a designação, tenho tido alguns telefonemas de coisas variadas, de pessoas a queixarem-se do centro de emprego... de coisas genéricas que não têm que ver com a concessão do subsídio. Como foi divulgado pela imprensa como um serviço de provedoria, as pessoas vêem-no como um serviço onde podem apresentar [queixas de todo o tipo]. Mas a nossa função é também pedagógica, no sentido de dizer: “Vai ter que se dirigir ao centro de emprego, ou vai ter que se dirigir à delegação regional”. Encaminhamos, que é também a nossa função.

Caixa

Da Justiça para o Trabalho

Começou a trabalhar aos 18 anos na Câmara de Óbidos, fez toda a carreira na administração pública e nunca esteve desempregada. Funcionária do Ministério da Justiça, esteve colocada no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus e no colégio de Reabilitação de São Bernardino. Há 11 anos mudou, em comissão de serviço, para o IEFP, onde já dirigiu um centro de emprego, um centro de formação profissional, esteve à frente do Centro Nacional de Formação de Formadores e foi vogal do conselho directivo do instituto. Licenciada em Direito, o envolvimento com as questões do emprego levou-a a fazer o mestrado em Sociologia do Trabalho, das Organizações e do Emprego. Aos 41 anos, Cristina Rodrigues encara um novo desafio e “muito interessante” desafio : é a primeira provedora do desempregado, melhor dizendo: a primeira coordenadora da comissão de recursos criada pela nova lei do subsídio de desemprego.

Sugerir correcção
Comentar