Ash Wednesday

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A história é boa e quase de certeza que vai impor-se à música: o pai de Elvis Perkins era Anthony Perkins, actor de "Psycho" (de Hitchcock), que morreu nos anos 90, com sida. A mãe, por sua vez, morreu durante o 11 de Setembro. Com isto, o jovem Elvis tem tudo o que precisa para chamar a atenção das revistas – mas Elvis não devia precisar de mais nada: tem a voz, as canções, os arranjos, as histórias.

"Ash Wednesday", o seu disco de estreia, é o mais aproximado de um Cohen em dia de menos ódio a si próprio ou de um Dylan menos necessitado de máscaras. O disco, que assenta arraiais e crenças no poder da sarça ardente de uma guitarra, abre com "While you were sleeping" (e não é qualquer um que arranca frases do calibre de "While you were sleeping/ the money died/ machines were harmless/ the earth sighed"), voz e guitarra, apenas depois um bombo, mais um instrumento aqui, outro ali, um "theremin", metais e uma elegia pelo 11/9 torna-se em festa. A sombra de Cohen surge em "All the night without love" naquele contrabaixo que recorda "Stories from the street" (embora também se possa falar em Tim Buckley) e em "May Day" há resquícios de Jonathan Richman, algo de puro gozo, de saltitão. Se quiséssemos, podíamos ligar "Moon woman II" aos Sparklehorse ou a uma dezena de gente mais, que usam cordas para arrepiar as costas das canções, mas para quê? O rapaz tem mérito próprio, revolvendo a terra da folk e adicionando-lhe o sal e a pimenta a contento, sem afectações na voz, sem tiques dos heróis do passado. Elvis Perkins não precisa de uma história danada para que a sua música seja valiosa. E no belíssimo duelo entre o acordeão e o violino em "Emile's Vietnam in the ski" é mais que valiosa: é imperativa e salvífica.

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