Incêndios: oposição acusa maioria de "esconder" factos importantes

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Em 2003, a área ardida em Portugal ascendeu a 423.276 hectares, o que representa quatro vezes mais do que a média anual desde 1990 Luís Forra/Lusa

A oposição parlamentar acusou hoje a maioria de esconder factos importantes no relatório sobre os incêndios do Verão passado, enquanto PSD e CDS-PP sublinharam os investimentos e a reforma florestal promovidos pelo Governo.

Ontem, os partidos da maioria aprovaram, em sede de Comissão Eventual para os Fogos Florestais, um relatório que apresenta como justificação para os fogos do Verão de 2003 o desordenamento florestal e as condições climatéricas excepcionais.

No debate de hoje no Parlamento, o socialista Pedro Silva Pereira considerou que o documento aprovado é o que "convém ao Governo".

"Este é o relatório de uma cinzenta versão oficial. Agradará seguramente ao Governo que temos, mas jamais convencerá o país. A maioria preferiu seleccionar criteriosamente factos e opiniões, registando os absolutamente incontornáveis, escolhendo os de sua conveniência e omitindo grosseiramente os mais adversos", declarou Silva Pereira.

Classificando o relatório como "um exercício quase delirante de fuga à realidade das coisas", o socialista considerou ainda que o documento desafia o "mais elementar bom senso" ao considerar que a fusão dos serviços de protecção vivil e bombeiros não teve "qualquer efeito ou influência" na tragédia.

No entanto, Silva Pereira lembrou que "quase todos os agentes do sector" apontaram os "efeitos negativos dessa inoportuna" fusão.

O PS recordou também que "a maioria impediu" que a Comissão Eventual para os Fogos Florestais questionasse os dois responsáveis máximos pelas operações de combate aos fogos: o então responsável pelo Serviço Nacional de Bombeiros e de Protecção Civil e o coordenador nacional das Operações de Socorro.

Os socialistas anunciaram ainda que vão propor a constituição de uma Comissão Eventual de Acompanhamento das Medidas de Prevenção e Combate aos Fogos Florestais.

PSD diz que o PS está mais preocupado em acusar o Governo

Em resposta ao PS, o deputado social-democrata Vítor Reis sublinhou que a maioria não "escamoteou uma única questão" durante a comissão para os incêndios florestais e acusou o PS de estar "mais preocupado em acusar o Governo do que em debater as questões de fundo".

Relembrando a reforma florestal decidida pelo Governo e os 40 milhões de euros aprovados para acompanhar, prevenir e combater os incêndios, Vítor Reis prometeu que 2004 será "o ano de viragem" nos fogos florestais.

Apesar de admitir alguma descoordenação no combate aos incêndios do Verão passado, o deputado da maioria sublinhou que a fusão entre o Serviço Nacional de Bombeiros e a Protecção Civil não contribuiu para aumentar a área ardida em 2003.

O CDS-PP, pela voz do deputado Miguel Paiva, insistiu que no Verão de 2003 foram registadas condições "climáticas excepcionais" e adiantou que 40 por cento dos incêndios podem ser atribuídos a causas criminosas.

"Não vale a pena tentar encontrar responsáveis onde eles não existem", afirmou o deputado.

PCP, BE e PEV criticam falta de coordenação

A oposição tentou rebater os argumentos da maioria, nomeadamente referindo que o director da Polícia Judiciária indicou que "não houve em 2003 nenhum surto de incendiarismo" e que se registou "uma diminuição do número de detenções por fogo posto".

Rodeia Machado, do PCP, considerou que o facto de o Governo não ter criado um organismo que substituísse a extinta Comissão Nacional Especializada em Fogos Florestais (CNEFF) contribuiu para a desarticulação das entidades a nível central e local.

Para os comunistas a "questão central é a descoordenação" e, por isso, lamentam que a maioria PSD/CDS-PP "não tenha querido ouvir o que ficou registado nas actas da comissão" para os fogos florestais.

Também o Bloco de Esquerda lamentou que o relatório não aponte para a necessidade de coordenação de meios de combate e prevenção dos fogos florestais.

"A hora é de responder aos cidadãos e restaurar a sua confiança e não de salvar a face deste ou daquele Governo", declarou o deputado bloquista Luís Fazenda.

A deputado Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), frisou que o relatório tentou "esconder questões fundamentais", como o resultado da fusão do Serviço Nacional de Bombeiros e da Protecção Civil.

"Aquilo que ouvimos nas audições [na comissão] foi justamente o contrário. Ouvimos as dificuldades que surgiram dessa fusão", afirmou.

O PEV lamentou também que o Governo não tenha substituído da extinta CNEFF, criando assim "problemas de coordenação".

Liga dos Bombeiros saúda conclusões

A Liga dos Bombeiros considera essencial que o Governo tenha ilibado o SNBPC e que a informação avançada no relatório da comissão é "credível, elaborada com base em depoimentos de diversas entidades".

Porém, o presidente da estrutura, Duarte Caldeira, sublinha que as conclusões apontam para uma "questão essencial", ao admitir a necessidade de investir na estrutura dos bombeiros mas ressalvando que esta não foi responsável pelo sucedido.

O documento "reconhece a necessidade de investir em formação e organização, mas conclui que não há relação de causa-efeito entre o que aconteceu e a estrutura dos bombeiros, a sua capacidade profissional e preparação", disse o responsável, considerando que foram anulados alguns "argumentos que elegiam os bombeiros como bode expiatório para o que aconteceu".

O presidente da Liga dos Bombeiros salientou ainda a aposta na formação, tendo em conta as conclusões do Livro Branco dos Incêndios Florestais, que incluem a criação de um centro especializado na Lousã e assinatura de protocolos.

O responsável criticou, no entanto, que as orientações do Livro Branco não tenham tido o mesmo eco no Governo, e lembrou que "ainda não existe um dispositivo de combate aos incêndios florestais delineado para 2004". "Existem medidas legislativas que estão a ser aprovadas gradualmente, mas ainda não estão a ser executadas, não passam à prática", lamentou.

Duarte Caldeira classificou ainda de absurda a intenção da Protecção Civil de integrar bombeiros ingleses nas equipas de emergência das áreas de serviço da A2 (Lisboa-Algarve) para auxiliar no atendimento a vítimas estrangeiras. "Trata-se de uma medida propagandística, desnecessária e de Terceiro Mundo", disse à Lusa, e acrescentou que os bombeiros têm "muitos jovens que dominam a língua inglesa".

Em 2003, a área ardida em Portugal ascendeu a 423.276 hectares, o que representa quatro vezes mais do que a média anual desde 1990 e mais do dobro do pior ano em matéria de incêndios, em 1991.

Os fogos fizeram 20 mortos e danificaram cerca de 2500 edifícios e muitas infra-estruturas e equipamentos públicos municipais e estatais, assim como centenas de habitações.

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