Guiné-Bissau: embaixador em Lisboa recusa falar sobre futuro de Kumba Ialá

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Os militares derrubaram ontem Kumba Ialá Ricardo Bordalo/Lusa

O embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa escusou-se hoje a falar sobre um eventual regresso do Presidente deposto, Kumba Ialá, à chefia da nação, sublinhando ser "melhor" falar do presente "e não entrar em futurologias".

Joãozinho Vieira Có falava aos jornalistas no final de uma reunião do Comité de Concertação Permanente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde deu conta aos embaixadores de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste da situação na Guiné-Bissau, após o golpe militar de ontem.

Recusando entrar em polémicas, Vieira Có limitou-se a reafirmar os conteúdos dos comunicados divulgados hoje de madrugada, em Bissau, pelo Comité Militar para a Restituição da Ordem Constitucional e Democrática (CMROCD).

Nesse sentido, o embaixador afirmou estar garantida a integridade física de Kumba Ialá, que se encontra já na sua residência privada, no Bairro Internacional, em Bissau, sob forte vigilância militar.

Vieira Có afirmou que também está garantida a integridade física do primeiro-ministro, Mário Pires, e dos membros do Governo derrubado, e que estes se encontram em "perfeita liberdade".

Vieira Có garantiu ainda que estão reunidas as condições para assegurar "ajuda urgente" à Guiné-Bissau, pois o país atravessou "diferentes ciclos de asfixia económica e financeira".

O diplomata guineense adiantou igualmente que já foram reabertos o aeroporto internacional Osvaldo Vieira, de Bissau, e todas as fronteiras terrestres e marítimas, pelo que há "total liberdade de circulação de pessoas e bens" em todo o país.

"A via do diálogo continua a ser o principal objectivo a atingir, pois no processo estão envolvidos todos os actores da vida do país, como partidos políticos, organizações da sociedade civil e entidades religiosas", sublinhou.

Os militares derrubaram ontem Kumba Ialá, que acusam de "abuso de poder" e de "desrespeito pela Constituição" e pela ordem democrática. O Presidente dissolveu o Parlamento em Novembro de 2002 e indigitou um Governo de iniciativa presidencial, obrigando à convocação de eleições legislativas antecipadas, que, entretanto, foram sucessivamente adiadas. Este escrutínio estava marcado agora para o próximo dia 12 de Outubro, mas a Comissão Nacional de Eleições guineense alegava que a falta de fundos para concluir o recenseamento levariam a mais protelamentos.

O golpe de Estado ocorreu às oito da manhã locais (nove da manhã em Lisboa), tendo sido dissolvidos todos os órgãos de soberania.

Os sucessivos adiamentos das eleições, as greves na função pública e a má situação económica do país, um dos mais pobres do mundo, geraram o descontentamento da população face ao Presidente da República. Isto apesar de Kumba Ialá ter sido eleito com grande expressão eleitoral e pertencer à etnia maioritária no país, os balantas. Apesar do papel crucial durante a guerrilha contra o poder colonial, os balantas nunca ocuparam, até à eleição de Kumba Ialá, o poder no país, sendo maioritários nas fileiras do Exército. Como em tantos outros países de África, as Forças Armadas guineenses têm grande poder e influência na Guiné-Bissau.

A Guiné-Bissau ainda se encontra a recuperar da guerra civil de 1998/1999 e o funcionalismo público encontra-se com oito meses de salários em atraso. Segundo o Banco Mundial, que suspendeu a ajuda ao país em 2001 devido ao descontrolo das contas públicas, 88 por cento dos 1,3 milhões de habitantes da Guiné-Bissau vivem com menos de um dólar por dia.

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