Advogada de vítimas do processo dos hemofílicos pondera recorrer para o Tribunal Europeu

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Leonor Beleza afirmou ontem à RTP ter optado por não interceder na parte jurídica, no pedido de prescrição do processo Paulo Pimenta/Lusa

A advogada das vítimas do chamado processo dos hemofílicos deverá recorrer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu que o caso, em que é arguida a ex-ministra da Saúde Leonor Beleza, já prescreveu. Ressalvando que ainda terá que estudar o documento, Francisca Boniface disse ontem ao PÚBLICO que pondera reclamar para o Tribunal Europeu e para o Tribunal Constitucional.

"Não podemos deixar que isto fique assim. Teremos que esgotar todas as possibilidades", salientou a causídica, inconformada com o resultado do acórdão, que, segundo a edição de ontem do "Correio da Manhã", estabeleceu a prescrição do processo e, consequentemente, a impossibilidade de que os arguidos possam vir a ser julgados num tribunal.

A mesma posição teve a Associação Nacional dos Hemofílicos (ANH), que irá apoiar a continuação da batalha jurídica. "Ficámos surpresos. Não estávamos à espera desta decisão. Mas, se houver possibilidade, nós vamos em frente", referiu Maria de Lurdes Fonseca, vice-presidente da ANH, acrescentando que, "se os arguidos fossem pessoas de bem teriam aceite, por sua vontade, o julgamento".

O processo remonta a 1985, quando o primeiro de um conjunto de 35 hemofílicos terá contraído o vírus da sida através de um derivado de plasma adquirido pelo Ministério da Saúde, então tutelado pela actual vice-presidente da Assembleia da República, a um laboratório austríaco. Leonor Beleza, a sua mãe e outros arguidos seriam acusados do crime de propagação de doença contagiosa.

A acusação do Ministério Público (MP) foi concluída em 1994, mas desde então o processo sofreu vários impasses, fruto de sucessivos recursos, em diversas instâncias: Tribunal Constitucional, Tribunal de Instrução Criminal, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal.

Assim que foi notificada da acusação, a defesa reclamou logo do resultado do inquérito, tendo sido bem sucedida, uma vez que o tribunal de instrução acabaria por não pronunciar os arguidos, entendendo que a investigação não reunira indícios de culpa suficientes.

Deste despacho recorreu, igualmente com sucesso, o MP, junto do Tribunal da Relação. Em 1998, um acórdão deste tribunal superior confirmaria a acusação do MP, mas nem por isso conseguiria que os réus respondessem em tribunal, dado que a defesa insistiria, também com êxito, na tese de que o processo já prescrevera.

Em causa estava, nomeadamente, saber em que data começaria a contar o prazo de prescrição: os advogados dos arguidos defenderam que o prazo contaria a partir da morte do primeiro doente a quem fora ministrado soro contaminado; o MP e os assistentes argumentariam que esse prazo só começaria com a morte, em 1995, da última das vítimas referidas no despacho de acusação.

A última decisão do Tribunal da Relação, em Fevereiro passado, decretou a prescrição do caso, mas a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado interpôs recurso para o Supremo, alegando que a extinção do procedimento criminal só deveria ocorrer em Fevereiro de 2007. A opinião da advogada dos assistentes, Fátima Boniface, foi no mesmo sentido. "Julgar que a prescrição se faz a partir da primeira vítima é esquecer todas as outras", disse ao PÚBLICO.

"Não vamos desistir"

De acordo com o "Correio da Manhã", a teoria de Maria José Morgado "não foi apoiada pela sua colega do Supremo, a procuradora Graça Marques, facto que condicionará recursos futuros". "Não tendo a mesma convicção que eu, é evidente que [o Supremo] não deverá interpor nenhum recurso", confirmou Maria José Morgado ao mesmo diário.

A mesma limitação não terão, contudo, os assistentes no processo, a mãe e a cônjuge de duas das vítimas, para quem a decisão ainda não transitou em julgado. "Houve mortes. Houve pessoas que fugiram à justiça. Não vamos desistir", concluiu Fátima Boniface.

Leonor Beleza afirmou ontem à RTP ter optado por não interceder na parte jurídica, no pedido de prescrição do processo, estando apenas empenhada em demonstrar que não foi culpada da "monstruosidade" de que foi acusada.

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