Cientistas voltam às fontes hidrotermais dos Açores

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A geologia e a biologia são as principais áreas de investigação do cruzeiro, que inclui o estudo de vários pontos na Dorsal Médio-Atlântica DR

Hoje, o navio francês "Atalante" zarpa da cidade da Horta, na ilha do Faial, em direcção às fontes hidrotermais dos Açores. Além de 22 cientistas, quase todos portugueses, a bordo segue uma das estrelas da exploração dos oceanos - o robô "Victor 6000", desenvolvido pelo Instituto Francês de Pesquisa e Exploração do Mar (Ifremer) para mergulhos profundos e longos. O robô será os olhos e mãos dos cientistas, recolhendo amostras de rochas, seres vivos e água.

Até ao regresso à Horta, a 13 de Agosto, os cientistas deverão estudar quatro campos de fontes hidrotermais: Monte Saldanha, Menez Gwen, Rainbow e Lucky Strike, que ficam na Dorsal Médio-Atlântica. Talvez também vão a um quinto local, chamado Menez Hom.

Embora não seja um campo hidrotermal confirmado, o Menez Hom, identificado no ano passado, apresenta anomalias de metano na água, o que é tido como indicador da presença dessas fontes, por onde água quente enriquecida por minerais e gases brota do interior da Terra.

Junto às fontes hidrotermais há oásis de vida, sobretudo camarões e mexilhões. Isto contrasta com a raridade de vida àquelas profundidades (dois mil, três mil metros...), onde a luz solar não chega.

Essas comunidades não dependem da fotossíntese. Os micro-organismos que estão na base da cadeia alimentar dos oásis marinhos das fontes hidrotermais são bactérias, que vivem a altas temperaturas. Ao contrário das algas microscópicas que costumam encontrar-se na base da cadeia alimentar marinha - que usam a energia solar para sintetizar nutrientes -, estas bactérias usam apenas a energia química. Depois, há animais que comem estas bactérias e outros que vivem em simbiose com elas, e por aí fora.

O chefe científico da missão, Fernando Barriga, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, encara com grande expectativa o regresso ao Monte Saldanha. Descoberto em 1998, numa missão portuguesa e francesa, com o submarino "Nautile", do Ifremer, viu-se que nesse local havia a libertação de fluidos no fundo do mar, mas de forma muito discreta. O que aconteceu nos últimos quatro anos? "Vamos ver a evolução que teve: se realmente é muito ténue ou se se estava no início de um campo hidrotermal", diz.

Mudarão assim tão depressa os campos hidrotermais, passando da libertação quase despercebida de fluidos no solo para a construção de chaminés oceânicas, devido à precipitação dos minerais nos fluidos? "Os campos hidrotermais podem mudar significativamente em quatro anos. As chaminés podem crescer metros em anos. Mas também pode não haver grandes diferenças", refere o geólogo.

No Monte Saldanha, tal como nos outros campos hidrotermais, serão recolhidas amostras de água, rochas e aprofundada a caracterização geológica. A biologia é outra componente desta missão, coordenada por cientistas portugueses e financiada pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

Um dos objectivos, na área da biologia, diz Fernando Barriga, consiste na colocação de gaiolas para mexilhões no campo Menez Gwen, que serão recuperadas pelo Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP), da Universidade dos Açores, com o navio "Arquipélago", na próxima Primavera. Desta forma, pretende conhecer-se a evolução dos mexilhões em ambientes extremos - muito tóxicos - como os campos hidrotermais.

As missões anteriores às fontes hidrotermais, diz Ricardo Serrão Santos, director do DOP, já começaram a dar frutos, pois permitiram conhecer melhor o modo de vida destes mexilhões. "Finalmente, começamos a entender alguma coisa sobre a biologia daqueles organismos", refere Ricardo Santos à agência Lusa, destacando o facto de se ter desvendado uma incógnita científica: a altura da reprodução dos mexilhões (é na Primavera).

De facto, desde a descoberta do Lucky Strike, em 1992 - o primeiro campo hidrotermal encontrado nos Açores -, têm havido vários cruzeiros científicos nas áreas da geofísica, geologia e biologia. Dois desses sítios encontram-se na Zona Económica Exclusiva dos Açores - o Lucky Strike, a 1700 metros de profundidade, e o Menez Gwen, a 800 metros. O Rainbow, já em águas internacionais, está a 2500 metros, tal como o Monte Saldanha, assim baptizado em homenagem ao falecido oceanógrafo Luiz Saldanha, ex-director do Laboratório Marítimo da Guia da Universidade de Lisboa e estudioso dos ambientes marinhos profundos.

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