O Rappa hoje em Lisboa

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O Rappa em Lisboa: Lobato, Lauro, Falcão e Xandão Carlos Lopes

Dois anos depois de se estrearem na Praça Sony, os brasileiros O Rappa estão hoje de volta para novo espectáculo, num caminho de música, ideias e projectos sociais que eles próprios explicam, em entrevista.

Quem não os viu em Julho de 2000 pode aproveitar hoje às 22h, em Lisboa, no Salódromo na Alameda da Universidade: no âmbito da semana académica, e junto aos portugueses Primitive Reason e Da Waesel, os músicos de O Rappa apresentam-se de novo em Portugal, trazendo na bagagem a enorme força anímica que os move desde há nove anos e um novo disco, o duplo "Instinto Colectivo ao Vivo", com etiqueta da Warner. O quarto da sua carreira, após três bem sucedidas gravações de estúdio: "O Rappa" (1994), "Rappa-Mundi" (1996) e "Lado A, Lado B" (1999).

Em Lisboa, na véspera do espectáculo, os quatro músicos do grupo (o quinto, o baterista Marcelo Yuka, ainda está a recuperar de uma chuva de balas que quase lhe tirou a vida, há pouco mais de um ano) que viajaram até Portugal - Falcão, Lauro, Lobato e Xandão - falaram ao PÚBLICO da música e dos projectos que desde há uma década os fazem sentir vivos.

E nessa trajectória, o trabalho social assume especial importância. Como explica Lobato: "No primeiro disco, nós gravámos uma música chamada 'candidato caô caô' que é sobre um candidato que vai à favela, faz discursos e engana as pessoas. E fomos gravar um clipe sobre essa música em Vigário Geral, onde houve uma chacina infelizmente mundialmente famosa. É um lugar de muitas crianças, muitos adolescentes, a maioria desocupados, sem trabalho, sem estudar, sem oportunidade nenhuma. Nós já vínhamos juntos de áreas do Rio de Janeiro que são muito carentes: o Lauro é da Baixada Fluminense, o Falcão até hoje mora no Engenho Novo, que é na zona norte, todos nós somos de origem humilde..." O resultado do clipe, que depois ficaria célebre, foi a reanimação cultural e social do bairro, como lembra Lauro: "Há muito para ser feito. Mas conseguimos obter resultados positivos. Hoje, no Afroreggae [grupo musical de Vigário Geral, já com um disco], eles trabalham, viajam, ganham dinheiro; e o grupo teatral Nós no Morro participa já em televisão, em cinema..."

Mas esse foi apenas um passo, que posteriormente alastrou a outras paragens do Brasil. E não era um passo fácil, como recorda Lobato: "O Vigário Geral é um lugar bem isolado, tem pessoas que nunca foram à praia, nunca viram o mar, nunca foram a um bom cinema. São pessoas realmente desprovidas e isoladas, pela própria geografia do lugar." Mas o bom resultado do trabalho do grupo incentivou-os a ir mais longe: "À medida que nós crescemos como músicos e nos tornámos mais conhecidos, pudemos chamar mais a atenção das pessoas para os problemas que existem no Rio de Janeiro e no Brasil em geral."

O Rappa trabalha junto com ONGs como A FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional), que os ajuda a escolher "os projectos mais urgentes e verdadeiros". Parte das receitas do trabalho do grupo são encaminhadas assim para projectos sociais. Falcão, o vocalista, diz: "O que no começo era sonho está cada vez mais próximo desses projectos, mas não esquecendo a música. A gente escolheu numa safra boa de DJs o que estava lá de melhor para trabalhar com a gente. Fazendo os shows da nossa tournée, mas sempre com o vínculo de fazer shows em lugares menos favorecidos, onda não há condições para pagar os bilhetes."

Misturando reggae, samba, rap, dub, funk, jungle, drum'n'bass, O Rappa encontrou uma sonoridade própria e uma vitalidade que já lhe valeu o título de uma das melhores bandas em palco da actual cena musical brasileira. E essa música, além de motor do grupo, é também pólo de atracção para muitos adolescentes. Xandão diz que "é muito fácil manter uma criança ocupada com música e com arte, no Brasil. O que deveria ser um grande desafio era formar um advogado, um engenheiro, um presidente! Mas não adianta pegar um adolescente, dar um trabalho para ele de três meses e depois deixá-lo sem nada para fazer. Isso vai deixá-lo mais revoltado, a acreditar menos ainda que vai conseguir alguma coisa na vida e então é mais fácil ele pegar uma arma e entrar para o crime."

Falcão acrescenta, por seu lado: "O nosso trabalho musical faz com que a gente possa fazer muita coisa. Até hoje, em nenhum momento a gente deixou de andar lado a lado com a realidade. Tudo o que é escrito, tudo o que é poeticamente falado nas nossas canções, é o nosso dia a dia."

Esta ideia é partilhada por todos. Xandão, de novo: "Aquilo com que a gente pode combater no caso do Brasil é cultura, é informação. Essas são as melhores armas para melhorar o mundo. A classe média alta, a classe da cultura, da arte, podia mobilizar-se da forma como a gente viu dar certo. Mas cada vez há menos rádios para dar entrevistas, cada vez há menos programas de televisão inteligentes para se ir, porque a cultura do mediatismo e do ócio, do 'nada acontece', está a aumentar." E Lauro, a terminar: "As pessoas têm que ter onde morar, terra, mais educação, acesso à saúde. Esse é o nosso objectivo, fortalecendo o nosso espírito cultural, as nossas ideias. A nossa política é essa: a política do fazer."

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