Comissão política propõe desistência de António Abreu ao comité central do PCP

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António Abreu pode desistir mas promete não se calar Manuel de Almeida/Lusa

Fazia frio e muito, muito vento frente à entrada dos trabalhadores da AutoEuropa, em Palmela. António Abreu, candidato do PCP às eleições presidenciais, entregava panfletos, com mais uma dezena de apoiantes. Às tantas virou-se para António Filipe, o mandatário nacional da sua campanha, e pediu: "Ó mandatário, fecha aí a porta!"
A frase, dita como uma pequena graça, bem que podia espelhar o que, ao que tudo indica, vai acontecer a esta candidatura: a desistência que o comité central do PCP deve decidir hoje e que deve ser comunicada ao Tribunal Constitucional até à meia-noite de amanhã.

A comissão política comunista vai propor isso mesmo ao órgão máximo do PCP entre congressos. Uma decisão que, no fundo, o próprio candidato tem vindo a preparar nos últimos dias, ensaiando ao mesmo tempo o discurso da desistência e os argumentos para o partido apelar ao voto em Jorge Sampaio. "É tendo em conta os interesses do país e do partido que agiremos", disse mais uma vez António Abreu, num almoço com representantes dos trabalhadores do distrito de Setúbal, no Barreiro. Assim tem feito nos últimos dias, quando se trata de falar da desistência, pedindo sempre aos seus apoiantes que confiem na decisão do partido.
É que, como o candidato do Partido Comunista tem explicado, o objectivo da sua candidatura não é, nem nunca foi, contar votos, mas sim participar na campanha, chamando a atenção para os problemas e assuntos que devem merecer a reflexão e o interesse do Presidente da República. Ontem, um dia passado no distrito de Setúbal e dedicado aos trabalhadores, deu ênfase a três aspectos: o trabalho, a base produtiva do país e o investimento estrangeiro.
Segundo o ainda candidato, nos últimos tempos "o trabalho tem sido desvalorizado" e a "base produtiva foi-se delapidando". Enquanto isso, acrescentou, o "investimento directo estrangeiro discute-se como se fosse determinante". É, pois, para colocar estas questões em debate - assim como a integração europeia, a política externa e de defesa - que esta candidatura diz existir. E esses objectivos foram cumpridos, como já disse várias vezes António Abreu, que fala geralmente na sua candidatura no passado. Anteontem, em Borba, disse mesmo que a votação nunca foi um objectivo da sua candidatura.
Mas, se Abreu, por um lado, tem preparado o terreno para a desistência, por outro lado ainda não deu a volta para o apoio a Jorge Sampaio. Embora nos últimos dias tenha recordado que o actual Presidente foi eleito com o apoio do PCP e optado por uma inflexão no discurso em que as críticas e a comparação a Ferreira do Amaral foram substituídas pelas recomendações de como deve agir nos próximos cinco anos, o candidato comunista ainda não conseguiu fazer a quadratura do círculo necessária para justificar e invocar o apoio a Sampaio.
No comunicado de apresentação da sua candidatura, o PCP assegurava que ela seria para ir a votos, a não ser que as circunstâncias se alterassem. O que resta saber é que circunstâncias irão ser invocadas, uma vez que não está em causa uma vitória da direita que justifique a desistência, nem a reeleição de Sampaio, o que seria uma justificação clara para a declaração de apoio do PCP.
É, no entanto, precisamente isso que deve acontecer, uma vez que a comissão política já deliberou propor a desistência ao comité Central e o PCP dá sempre uma orientação de voto aos seus militantes. Isto apesar de no período de preparação para o congresso de Dezembro passado várias organizações comunistas de base e mesmo algumas organizações regionais terem recomendado que a candidatura fosse até ao fim.

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