Pela conquista de novos direitos laborais na pandemia

Porque o teletrabalho é uma oportunidade para muitos setores e para mitigar distâncias e desigualdades, devemos começar desde já a discussão da sua regulação, desafios e limites.

Portugal já tinha um problema com a proteção de muitos dos seus trabalhadores antes de chegar a pandemia e o debate sobre o futuro do trabalho nunca abandonou a cena política. Mas nos últimos anos, motivados pelo período da recuperação económica e crescimento do emprego, ninguém, e muito menos a minha geração, esperava confrontar-se num curtíssimo espaço de tempo com uma nova crise que uma vez mais destrói postos de trabalho e cria novos desempregados.

É certo que em tudo a origem e natureza desta crise é distinta da crise financeira e da política de austeridade que marcou os jovens portugueses adiando os seus percursos de vida, como é certo que a resposta a esta crise não recorreu à desresponsabilização do papel do Estado como no passado, mas uma vez mais, uma sociedade de profundas desigualdades amplia os efeitos da pandemia. E se o vírus ataca e infeta com maior intensidade alguns grupos de risco, também a crise de emprego que teremos que inevitavelmente enfrentar, ataca com maior intensidade os “grupos de risco” já bem conhecidos por todos, desde os mais pobres onde se incluem os desempregados ou os que têm menos qualificações, aos trabalhadores mais precários com vínculos frágeis ou carreiras intermitentes, os falsos prestadores de serviços e recibos verdes, entre tantos outros. Ao vermos engrossar as fileiras dos que não gozam de proteção social os advogados e solicitadores, pessoas qualificadas e muitas oriundas das gerações mais novas, sabemos que esta pandemia evidenciou novos desafios aos mecanismos de proteção que foram historicamente construídos e tratados como conquistas civilizacionais que não estamos dispostos a abdicar.

Uma posição de exigência e defesa absoluta da regulação do direito ao trabalho e à proteção social nunca foi tão premente como hoje e no momento em que vivemos. Esta pandemia atacou-nos durante uma 4.ª revolução tecnológica que se caracteriza por sofisticados meios de comunicação e consequentemente uma crescente desmaterialização do trabalho que permitiu recorrer a soluções, desde o teletrabalho ao ensino à distância para mitigar muitos dos efeitos negativos do confinamento e paralisação do país. Mas foi também esta mesma desmaterialização, o catalisador principal de plataformas repletas de trabalhadores sem vínculos, sem horários e praticamente sem direitos.

Portugal confronta-se, como a maioria dos países, com o desafio de colocar limitações ao que hoje a tecnologia permite, mas os direitos do trabalho têm que saber travar. É inegável que o trabalho entra cada vez mais na esfera privada, familiar e social dos trabalhadores com a possibilidade de serem contactados a qualquer momento fora do horário por cada vez mais meios e acumulando novas pressões à conciliação da vida pessoal com a vida profissional.

O problema do atropelo dos direitos laborais no que diz respeito à violação do horário de trabalho e trabalho suplementar não pago não foi um problema que a tecnologia criou, mas agudizou mais uma desproteção que a Juventude Socialista tal como muitos outros querem resolver consagrando o direito a desligar. Parece quase paradoxal que no momento em precisamos urgentemente de resolver o acentuar das desigualdades sociais com os alunos e professores “desligados”, que não têm ou tiveram acesso a Internet ou meios informáticos para aceder ao ensino à distancia, se coloque como um direito dos trabalhadores ameaçado a dificuldade de “desligar”, mas a sociedade é construída destes paradoxos. O facto é que o teletrabalho a que empresas, função pública e outras instituições recorreram, é uma modalidade de trabalho que tem o potencial de mitigar um conjunto de desigualdades que não podemos nem devemos ignorar, desde logo a possibilidade de corrigir assimetrias no acesso ao emprego. Há muito que quando falamos da necessidade de mais e melhor coesão territorial, nomeadamente com a concentração de oportunidades de trabalho qualificado fortemente centralizadas nos grandes centros urbanos e consequente abandono forçado de muitos jovens e trabalhadores das suas terras de origem, que o teletrabalho estava no horizonte como uma das respostas. No nosso país persiste um atraso, preconceito e conservadorismos muito próprios no que diz respeito ao mercado laboral explorar outras formas de trabalho que permitem a mesma produtividade e resultados. Ou pior, e tradicionalmente defendido pela velhas e novas direitas liberais: confundir novas modalidades de trabalho com flexibilidade ou desregulação.

Porque o teletrabalho é uma oportunidade para muitos setores e para mitigar distâncias e desigualdades, devemos começar desde já a discussão da sua regulação, desafios e limites. Muitos trabalhadores já a trabalhar a partir de casa relatam as dificuldades do isolamento social e profissional que terão que ser tidas em conta, e justamente, a dificuldade em desligar. O teletrabalho que permitiu a manutenção de um conjunto muito relevante de postos de trabalho não pode ser ameaçado pelos abusos aos direitos dos trabalhadores, que ao fazer do espaço de casa um espaço laboral, tem que vir acompanhado de novas conquistas laborais como o direito a desligar.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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