Como um pouco de pessimismo transforma um abrandamento em recessão

A criação de uma percepção negativa em relação à economia já ajudou no passado a desencadear recessões profundas. Um risco numa fase em que a economia abranda e a confiança dos consumidores começou a cair de máximos.

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Depois de 24 meses de um optimismo inédito nas duas últimas décadas, no início deste ano voltaram a ser mais os portugueses que esperam uma deterioração da situação económica nos próximos doze meses do que aqueles que estão a antecipar uma melhoria. Não estamos perante uma onda de pessimismo igual às que num passado recente ajudaram a lançar a economia para recessões, por enquanto os níveis de confiança dos consumidores ainda estão a níveis historicamente elevados. Mas, numa altura em que a economia está a abrandar e a procura externa ajuda cada vez menos, a relação entre a forma como as pessoas vêem a economia a evoluir e aquilo que acaba realmente por acontecer volta a ter importância.

No inquérito feito pelo INE aos consumidores portugueses, nos três meses de Novembro de 2018 a Janeiro de 2019, o índice referente às expectativas para a evolução da economia nos próximos doze meses voltou, pela primeira vez desde Dezembro de 2016, a registar um valor negativo. O que isto significa é que, entre os inquiridos, passou a haver mais respostas a apontar para uma deterioração da situação económica do que respostas a prever uma melhoria.

O que é que isto nos diz em relação ao que vai acontecer realmente à economia? Olhando para a experiência passada, nada de muito positivo. As expectativas dos consumidores relativamente à evolução futura da economia e a variação do PIB são dois indicadores em que, ao longo dos anos, tem sido muito evidente a existência de uma forte correlação. Quando as expectativas baixam, a economia cresce menos. Quando as expectativas melhoram, a economia cresce mais.

Nem sempre é clara qual a relação causa-efeito que predomina. É a deterioração das expectativas dos consumidores que os leva a consumir menos e os empresários a deixar de investir, fazendo cair a economia? Ou são os sinais de travagem da economia que fazem os consumidores ficarem mais pessimistas? O que é certo é que, em diversas ocasiões, a deterioração das expectativas acontece antes de a economia atingir o seu ponto mais baixo, o que pode apontar para, no mínimo, dar o impulso que faltava para lançar e economia numa recessão.

No final de 2008, com a economia portuguesa já a entrar em terreno negativo, a falência do Lehman Brothers nos Estados Unidos provocou uma descida abrupta das expectativas em relação à evolução da economia portuguesa e, no decorrer de 2009, o consumo e o investimento caíram a pique.

Em Abril de 2011, o pedido de resgate financeiro, a entrada da troika em Portugal e o consequente anúncio de diversas medidas de austeridade, aconteceram num trimestre em que a economia registava uma quebra homóloga de 0,2%. A expectativa dos consumidores em relação à evolução nos doze meses seguintes acentuou a sua queda para mínimos e a economia acabou mesmo por cair para uma das recessões mais profundas da sua história.

Outro indicador que pode revelar a percepção que as pessoas têm da economia é o número de pesquisas que são feitas pela palavra “recessão” no motor de buscas Google e que, de acordo com os dados do Google Trends, registaram os seus valores mais altos a seguir à falência do Lehman e depois da chegada da troika. A economia estava já em recessão, mas ainda não tinha atingido o seu ponto máximo.

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A forma como a percepção que as pessoas têm do que está a acontecer na economia influencia os próprios resultados económicos foi sinalizada em diversos estudos académicos, com alguns deles a atribuírem também um papel importante à comunicação social, que é quem transmite as informações sobre a economia à população.

Um estudo publicado no ano passado pelos economistas Alyt Damstra e Mark Boukes utilizando dados recolhidos na Holanda - “The Economy, the News, and the Public: A Longitudinal Study of the Impact of Economic News on Economic Evaluations and Expectations” – aponta para a existência de uma tendência para a criação, junto da população, de percepções exageradamente negativas sobre a evolução da economia que acabam, como profecias que se confirmam a elas próprias, por conduzir a quebras muito acentuadas do consumo e do investimento.

“A sensibilidade das pessoas relativamente a notícias negativas quando avaliam o futuro económico, combinado com a tendência entre os jornalistas para noticiar mais frequentemente os momentos descendentes da economia, levam à conclusão que as expectativas económicas da população tendem a ser distorcidas de uma forma negativa, especialmente em tempos de instabilidade económica”, afirma o estudo, salientando que este fenómeno tem consequências já que as expectativas económicas têm mostrado ser excelentes projecções do que será o comportamento dos agentes económicos, por exemplo ao nível do consumo.

Na actual conjuntura económica, nacional e internacional, este tipo de comportamento não pode deixar de ser um motivo de preocupação. Actualmente aquilo que está a acontecer, um pouco por todo o mundo e de forma muito evidente na Europa, é um abrandamento do ritmo da actividade económica.

Em alguns países, como a Itália, já se registou uma entrada em recessão técnica (definida como dois trimestres consecutivos de variação negativa do PIB), noutros, como a Alemanha, escapou-se a uma recessão técnica por muito pouco. E ainda noutros, como Portugal, a tendência de abrandamento é evidente, mas uma recessão nunca esteve perto, já que a economia continua a apresentar taxas de crescimento confortavelmente positivas.

No caso de Portugal, como mostraram os números publicados na semana passada pelo INE, o abrandamento da economia deve-se essencialmente à redução do contributo da procura externa, tendo as exportações registado no último trimestre de 2018 uma estagnação face ao mesmo período do ano anterior.

Para já, neste cenário em que a conjuntura internacional afecta negativamente a economia portuguesa, a generalidade das entidades que fazem previsões acredita que será possível evitar uma travagem mais brusca porque o consumo privado e o investimento vão conseguir manter o mesmo ritmo de crescimento dos últimos anos. O mesmo é aliás antecipado para o resto da zona euro, o que faz com que, por exemplo, o BCE ainda mantenha o seu plano de retirada dos estímulos monetários.

No entanto, é precisamente aqui que a percepção que as pessoas têm da economia se pode revelar importante. Se o abrandamento da economia gerar nas pessoas uma percepção muito mais negativa do que será a evolução da economia, os condimentos que faltam para transformar o abrandamento numa recessão – uma quebra do consumo e do investimento – poderiam passar a estar presentes.

Para já, no caso português, um cenário negativo deste tipo ainda não existe. A descida para valores negativos das expectativas para a evolução da economia nos próximos doze meses mostra que as notícias de um abrandamento da economia estão já a ter o seu impacto na percepção das pessoas. Ainda assim, os índices de confiança estão por enquanto a um nível historicamente muito alto. E nas pesquisas feitas no Google, a subida das buscas pelo termo recessão, que poderia apontar para uma preocupação crescente com esse tema, embora exista é ainda muito ligeira.

No entanto, se a história serve como um aviso, se se quer evitar uma recessão, uma das primeiras coisas a fazer é travar a percepção de que vem aí uma recessão.

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