Esta história não é só sobre Vieira da Silva

A galeria francesa Jeanne Bucher Jaeger vai inaugurar um novo espaço no Chiado. Começa por mostrar dois históricos da pintura naïf em França. Vieira da Silva há-de chegar.

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O casal Véronique Jaeger e Rui Freire SEBASTIÃO ALMEIDA

“A culpa é do Sr. Armindo”, graceja Rui Freire, o director do novo espaço que a histórica galeria francesa Jeanne Bucher Jaeger vai inaugurar esta sexta-feira em Lisboa, às 18h30, mesmo ao lado do Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado. Com a mulher, Véronique Jaeger, bisneta da fundadora, tenta explicar a razão por que escolheram Lisboa para abrir o seu terceiro espaço: não vieram por representarem a pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), não vieram porque há agora alguns coleccionadores franceses a viver em Portugal, não vieram por uma só razão. Estas explicações também contam a história da “nova aventura”, mas Armindo, o moldureiro, acabado de entrar na galeria que fica na esquina entre as ruas Vitor Cordon e Serpa Pinto, por onde passa o famoso eléctrico 28, é apresentado como o principal culpado.

Há dois anos, num dos regressos de Rui Freire a Lisboa, e numa nova visita à loja do senhor Armindo (a nova galeria fica porta com porta com a moldureira), o director soube que o espaço de 150 metros quadrados estava para alugar. “Mas esta é uma história de vida, porque a ideia de abrir uma galeria em Lisboa está presente há 15 anos", explica-se, em português, Véronique Jaeger, a directora-geral da galeria que tem dois espaços em Paris. "Há artistas portugueses com quem trabalhamos, o Miguel Branco, o Michael Biberstein, o Rui Moreira. O Rui é português. A galeria é uma extensão da vida.”

Seguiu logo para Paris uma fotografia deste “espaço pombalino com escala humana, no centro histórico e com a alma de Lisboa”, descreve Véronique. Houve ainda outro sinal dos deuses – o senhorio do nº 1 da Rua Serpa Pinto tem uma relação com Estrasburgo, tal como a bisavó de Véronique –, e aqui estamos nas vésperas de inaugurar a primeira exposição, com trabalhos de dois históricos da pintura naïf francesa, André Bauchant e Louis-Auguste Déchelette.

Os galeristas não começaram por Maria Helena Vieira da Silva porque isso seria “evidente” e eles querem mostrar, nas cinco a seis exposições que esperam fazer por ano, explica Rui Freire, “coisas um bocadinho diferentes”. A segunda exposição será do desenhador alemão Hanns Schimansky, em Março, e a terceira é ainda um segredo, mas quererá pôr-nos a olhar para objectos que parecem obras de arte mas não são feitos por artistas.

Uma exposição dedicada a Vieira da Silva acontecerá, naturalmente, promete Rui Freire, talvez ainda este ano. Neste momento, lembra, a Fundação Árpád Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa, tem uma exposição dedicada à colecção de livros de artistas iniciada por Jeanne Bucher logo nos seus primeiros anos de actividade, mostrando o seu importante trabalho como editora; também será possível ver ali o trabalho da artista portuguesa e do seu marido.

Lisboa na moda

Desde 1925, quando abriu, a galeria Jeanne Bucher Jaeger já expôs Picasso, Gris, Max Ernst, De Chirico, Lipchitz, Kandinsky, Man Ray (Jeanne Bucher foi fotografada por ele), Miró, entre outros nomes primeiros da vanguarda internacional, mas mantém-se empenhada, passados 90 anos, em representar artistas contemporâneos, com uma direcção que passou no pós-guerra para as mãos do sobrinho-neto de Jeanne, Jean-François Jaeger, o pai de Verónique, até esta ter sido nomeada directora-geral em 2010. A galeria possui, em Paris, um importantíssimo acervo histórico, nomeadamente de obras de Vieira da Silva.

“Não acho que a vinda da galeria para Lisboa tenha uma relação particular com Vieira da Silva. Ela é um dos links com Portugal, além dos outros portugueses que representa”, concorda Marina Bairrão Ruivo, directora da Fundação Vieira da Silva, sobre a galeria que teve um papel fundamental na descoberta da artista portuguesa nos anos 30. Para quem quiser comprar Vieiras, argumenta, é fácil apanhar um avião para visitar o acervo em Paris ou recorrer aos leilões internacionais. “A galeria implanta-se em Lisboa porque é uma cidade que está na moda e em que há um público cosmopolita francófono.” Continua, acrescenta, a pensar no mercado internacional da arte, sendo a abertura de galerias estrangeiras em Lisboa uma tendência recente.

Desde há uns anos, o casal tem recebido pedidos para fazer entregas em Lisboa de obras compradas em Paris por coleccionadores belgas, franceses e também portugueses. “Vamo-nos encontrando aviões”, ri-se Véronique. E é o que vai continuar a acontecer, agora com mais frequência, uma vez que a sua família, filhos e marido, se instalou em Lisboa.

Em Paris, desde 2008, a galeria Jeanne Bucher Jaeger abriu um importante espaço no Marais, além do que já tinha em Saint-Germain, renovado por Dominique Perrault, um dos grandes nomes da arquitectura francesa contemporânea. Com direcção de Rui Freire, quis encontrar nos seus 600 metros quadrados um espaço mais adequado ao trabalho dos artistas vivos que representa: além dos três portugueses e de Schimansky, contam ainda com nomes como Zarina Hashmi, Susumu Shingu, Fabienne Verdier, Paul Wallach ou Yang Jiechang. Lisboa, diz Rui Freire, vai ser um espaço mais livre, e aberto a novos artistas.

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