O Nobel da Paz à beira da morte que pode embaraçar o Presidente Xi

Human Rights Watch apela aos líderes do G20, reunidos em Hamburgo, para pressionarem Pequim a libertar Liu. Pode já não haver tempo.

Foto
Activistas com mensagens de apoio a Liu num protesto em Hong-Kong ALEX HOFFORD/EPA

Símbolo maior da repressão com que a China trata qualquer ameaça de dissidência, o activista Liu Xiaobao, de 61 anos, está a morrer e a sua morte pode apanhar o Presidente chinês, Xi Jinping, na cimeira do G20, em Hamburgo. A Human Rights Watch fez um apelo directo a que o fórum das maiores economias do mundo seja usado para pressionar Xi a libertar Liu.

"O tratamento brutal e desumano de Liu não diminuiu depois de lhe ter sido diagnosticada a doença terminal. A cimeira do G20 é um momento crítico para que algumas das nações mais ricas demonstrem que não ficam sentadas a ver um dos seus membros a agir com crueldade deliberada e sem limites", afirmou em comunicado Lotte Leicht, directora da HRW para a União Europeia.

Preso desde 2009, condenado a onze anos de cadeia por “incitar à subversão do poder do Estado”, o escritor activista, Nobel da Paz em 2010, foi diagnosticado em Maio com cancro de fígado em fase terminal. Entretanto, foi internado num hospital de Shenyang, na província de Liaoning (Nordeste da China, acima de Pequim), longe dos especialistas que se concentram na capital. Está isolado dos outros pacientes, num quarto vigiado pela polícia paramilitar.

Quarta-feira, o hospital fez saber que Liu tinha sido visto por um especialista em hepatologia vindo de Pequim. No dia anterior, o Governo tornou pública a autorização para que ele fosse consultado por médicos estrangeiros. Aparentemente é tudo pouco e chega tarde.

“Podemos perder Xiaobao a qualquer momento”, afirmou esta quinta-feira Ye Du, um dissidente próximo do activista e da sua mulher, a poeta e fotógrafa Liu Xia, ela própria em prisão domiciliária desde que o marido recebeu o Nobel. Ye disse à Reuters ter recebido uma mensagem a informá-lo que o amigo já não estava em condições de ser medicado e que seu fígado estava a entrar em falência. Uma fotografia do casal que circula entre amigos e activistas mostra um Liu esquelético.

Mais de 40 amigos do casal assinaram uma mensagem publicada nas redes sociais a pedir acesso aos dois. “A partir deste momento, necessitamos urgentemente de autorização para levar até Liu Xiaobao e Liu Xia o cuidado e o carinho dos amigos.”

Levado sem aviso e durante a noite da casa onde vivia com a mulher, Liu foi preso por ser co-autor e um dos principais signatários de um manifesto que ainda nem tinha sido publicado. Chamava-se Carta 08 e ali se pedia “uma nova Constituição”, “separação de poderes”, uma “democracia parlamentar”, “justiça independente” ou “eleições dos responsáveis públicos”. Foi condenado no dia de Natal de 2009 – data escolhida por coincidir com as férias de muitos chineses e assim a decisão poder passar mais desapercebida.

Liu já tinha sido preso duas vezes: primeiro, passou dois anos na cadeia sem acusação por ter participado nos protestos pró-democráticos da Praça de Tiananmen (com 33 anos, tentou convencer os estudantes a abandonar o protesto e a resistir ao confronto com os militares); depois, esteve três anos num campo de reeducação por fazer campanha pela libertação dos detidos de Tiananmen.

Xi Jinping decidiu não deixar Liu morrer na prisão. Mas se a morte do activista acontecer enquanto estiver na Alemanha, o Presidente chinês não tem como evitar o embaraço. O objectivo de Xi para a cimeira que termina sábado era usá-la como palco para promover o perfil de uma China responsável, uma potência com visão de futuro num mundo em que o desinvestimento dos Estados Unidos abre espaço para novos líderes.

Para o Governo, não há presos políticos na China e Liu não passa de “um criminoso condenado”. Mas com manifestantes nas ruas de Hamburgo e apelos a novas marchas, vai ser difícil a Xi continuar a ignorar o Nobel da Paz que nem no fim da vida se livrou das perseguições do regime.

Sugerir correcção
Comentar