"Nunca houve um debate assim em França, tão agressivo"

Valeu a pena deixar os franceses com olhos negros com o debate presidencial mais violento de sempre? Só se vai perceber no domingo, quando se contarem os votos, mas viram-se as incoerências de Marine.

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Marine Le Pen foi recebida com ovos na Bretanha Reuters

Nem Jean-Marie Le Pen, o pai da candidata da extrema-direita às presidenciais francesas, conseguiu dar-lhe um elogio pela sua prestação no debate antes da segunda volta, que chocou a França pela dureza com que Marine Le Pen e Emmanuel Macron se enfrentaram e trocaram insultos. “Houve muitos ataques pessoais, não esteve à altura do tom que convinha adoptar. Foi um debate de chefes de partido, e não de candidatos presidenciais”, afirmou o velho líder, fundador da Frente Nacional, mas que a sua filha expulsou do partido.

“Nunca houve um debate assim em França, tão agressivo”, disse ao PÚBLICO Bruno Cautrès, investigador do Instituto Sciences Po. “Só que normalmente os debates não fazem mudar muito o sentido de voto dos eleitores. Reforçam os seus sentimentos, não alteram o voto”, sublinhou.

A confirmar-se esta tendência, bem pode o Presidente cessante, François Hollande, dizer que “as máscaras caíram” e que o debate revelou não só “o projecto incoerente mas também perigoso de Marine Le Pen”.

A “ignorância de Le Pen sobre o euro”, disse Hollande, não lhe permite ser Presidente. Mas talvez não seja essa a principal preocupação na mente dos eleitores. “Este debate não deve ter grande impacto. No entanto, o que tiver de negativo será sentido por Marine Le Pen, que mostrou que não tem capacidade para encarnar o papel de Presidente da República, com a falta de preparação que mostrou sobretudo nos dossiers económicos, e do euro”, disse Bruno Cautrès. Mas, ao mesmo tempo, alertou, “os seus eleitores vão ficar convencidos de que ela foi mal tratada, por isso ficamos empatados”.

“O debate foi muito duro, e ela foi incapaz de responder ao ser confrontada com certas questões, sobretudo da área económica, e relativas ao euro. Raramente Marine Le Pen é interpelada de forma tão dura nos media sobre as consequências da saída da euro”, disse ao PÚBLICO Frédérique Matonti, politóloga do Centro Europeu de Sociologia e Ciência Política da Universidade Paris I, com vários trabalhos publicados sobre a Frente Nacional (FN).

“Os eleitores da FN acabam por se informar quase em exclusividade através de fontes da extrema-direita, blogues e sites, por isso não são confrontados com o questionamento das ideias veiculadas pelo partido. Há 25 anos, ou até mesmo há dez, não seria assim, mas hoje há um isolamento”, explica, para sublinhar a importância - e o inédito - deste debate em prime-time.

Falta de confronto

“Os políticos franceses, e os jornalistas, não questionam de forma suficiente forte o que Marine Le Pen fez, nem com a frequência que seria desejável”, frisa Matonti. Talvez por causa do reflexo que ficou, de evitarem sequer falar da extrema-direita - o mesmo gesto que privou o pai Le Pen de um debate presidencial face a Jacques Chirac em 2002, quando surpreendentemente passou à segunda volta das presidenciais, com a eliminação do socialista Lionel Jospin. Chirac, candidato do centro-direita, recusou dizendo simplesmente “não se debate com a extrema-direita”.

Mas os tempos são outros. Numa campanha altamente mediatizada, tanto Marine Le Pen como Emmanuel Macron, que quase não apresentaram os seus programas, envolvendo-se antes num pugilato verbal, já estavam logo na manhã desta quinta-feira, a dar entrevistas, na rádio e na televisão, para justificarem a opção por um debate que os comentadores disseram que “foi difícil de ver”, de tão agressivo. E para transmitirem a sua mensagem, agora sem oposição, embora com menos espectadores do que os 16,5 milhões da noite de quarta-feira.

Esta assistência, no entanto, esteve longe de ser um recorde: foi menos do que os 17,8 milhões obtidos por Nicolas Sarkozy e François Hollande no debate entre as duas voltas em 2012, e os 20,1 milhões, esses sim um recorde, de Nicolas Sarkozy e Ségolène Royale, em 2007.

Mas Marine Le Pen foi recebida com ovos numa deslocação de campanha à região da Bretanha, e gritos de “vão-se embora, fachos!”. Já Macron foi assobiado por sindicalistas ao chegar a uma fábrica de vidros em Albi, na região do Tarn, Sul do país, fundada por Jean Jaurés - uma referência para os socialistas e membro da Secção Francesa da Internacional Operária, uma organização que esteve na origem do actual Partido Socialista.  

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A central CGT tinha-o criticado por ter vindo fazer campanha às terras de Jaurés,  “Abolição da lei do trabalho!”, gritaram a Macron, como palavra de ordem.

O clima é de grande tensão. E Emmanuel Macron apresentou queixa por difamação por causa das insinuações de Le Pen no debate de que ele poderia ter uma conta secreta nas Bahamas - um boato que corre nas redes sociais, em que alvitra que o candidato independente deve ter riqueza escondida em paraísos fiscais.

Uma sondagem IFOP divulgada já nesta quinta-feira, o dia em que os dois candidatos anunciaram os últimos comícios, dá Emmanuel Macron em tendência de subida, com 61% de intenções de voto face a 39% para Marine Le Pen. Marion Maréchal Le Pen, a sobrinha da candidata da FN - e sua rival no partido - veio dizer que um resultado de 40% “seria já uma enorme vitória.”

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