Livro Branco interroga em vez de dar respostas sobre futuro da UE

Jean-Claude Juncker quer responsabilizar os líderes europeus, apresentando-lhes cinco cenários sobre o futuro. Os 27 ainda não se entendem sobre a Declaração de Roma.

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Este novo documento apresentado por Juncker será a contribuição da Comissão para a Declaração de Roma Vincent Kessler/REUTERS

Numa recente reviravolta, o presidente da Comissão Europeia resolveu inverter o ónus da prova, apresentando ao Conselho Europeu não um road map para o futuro da União Europeia, mas um conjunto de perguntas que definem outros tantos cenários, com os quais quer confrontar os líderes europeus. Juncker chama-lhes “ avenidas alternativas” para o futuro da Europa. São cinco. Esta terça-feira, a Comissão reuniu-se no fim do dia para um último debate sobre o documento, que deverá ser aprovado quarta-feira pelo colégio de Comissários e apresentado publicamente por Juncker ao Parlamento Europeu, a partir das três da tarde.

Esta inversão de perspectiva resulta dos inúmeros bloqueios que Jean-Claude Juncker encontrou em várias capitais europeias a uma proposta ambiciosa capaz de oferecer aos europeus um rumo para o seu futuro, levando em conta o "Brexit", a realidade política europeia e as consequências da eleição de Donald Trump. Berlim foi uma delas. O presidente da Comissão já sabe o que pode acontecer nestas circunstâncias.

O road map para a União Económica e Monetária “dos cinco presidentes”, como ficou conhecido, (Comissão, Conselho, Parlamento Europeu, BCE e Eurogrupo), apresentado em 2015, acabou por ficar na gaveta durante muito tempo, por vontade de Angela Merkel. A Comissão já tem em mãos a elaboração de um novo documento sobre a UEM, a partir do trabalho feito anteriormente. Esse foi o risco que Juncker não quis correr, para além de ter de lidar com uma Comissão razoavelmente dividida, com alguns comissários a desempenharem melhor o papel de porta-vozes dos respectivos governos do que o interesse comum que devem promover.

Este novo documento, que deveria ser a contribuição da Comissão para a Declaração de Roma - que os líderes devem aprovar a 25 de Março, no 60º aniversário do Tratado que fundou a Comunidade Europeia -, será apenas um guião para o debate sobre as escolhas possíveis, num futuro marcado por profundas incertezas. “Um ponto de partida e não um ponto de chegada”, como disseram ao PÚBLICO fontes diplomáticas em Bruxelas.

Várias velocidades

Os cenários são todos positivos, excluindo qualquer recuo em relação ao status quo, mas apresentando vários níveis de ambição, que terminam na ideia, hoje bastante improvável, de uma Europa federal. Devem também incluir a possibilidade de uma União com várias velocidades, aproximando-se da proposta, de contornos ainda muito vagos, do eixo Paris-Berlim no mesmo sentido. Em Bruxelas e em algumas capitais esta ideia não está a ser bem recebida, até porque essa possibilidade já está prevista no Tratado de Lisboa, com as chamadas “cooperações reforçadas”, que nunca foram utlizadas.

O Tratado também prevê uma “cooperação estruturada” especificamente para a defesa, que volta agora à baila, quando a questão subiu para o topo da agenda europeia, em resposta ao terrorismo, às ameaças de Vladimir Putin e, agora, à pouca vontade da nova Administração americana de continuar a garantir a segurança europeia.

Há quem considere que esta recuperação das várias velocidades visa, em primeiro lugar, “castigar” os países de Leste, como a Polónia ou a Hungria, onde governam partidos de pendor nacionalista e eurocéptico e que violam os princípios básicos do respeito pela democracia e pelo Estado de Direito. Mas os eventuais visados não querem ver-se excluídos das decisões de um núcleo central.

Os países do Sul, como Portugal ou Itália, manifestam uma objecção de outra natureza, aceitando maior integração, por exemplo, na defesa, desde que se considere que o núcleo político central são os 19 países do euro. Além disso, o Governo português considera que uma Declaração de Roma que seja consequente não pode deixar de lado a conclusão da reforma da união monetária, da qual a chanceler alemã não quer ouvir falar.

A proposta de Declaração continua a ser negociada pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a partir das contribuições dos vários governos. O exercício ainda está longe de suscitar a unanimidade dos 27, correndo o risco de ser apenas uma Declaração assinada pelos presidentes das principais instituições com o beneplácito do Conselho Europeu. Isto seria um sinal muito negativo para quem quer celebrar condignamente os 60 anos de uma “aventura” considerada única no mundo e que hoje enfrenta a maior crise da sua história.

Escusado será dizer que a sucessão de eleições na Holanda, França e Alemanha (e talvez na Itália) também não favorece um clima propício a uma maior partilha de soberania e a mais solidariedade. Jean-Claude Juncker quer deixar passar a onda, apontando para Dezembro o fim do processo de perguntas e respostas que agora pretende desencadear. 

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