O pântano da corrupção brasileira

Juiz Sergio Moro levantou o segredo de justiça após prisão de Eduardo Cunha.

A leitura das 26 páginas do despacho da passada segunda-feira do juiz federal Sérgio Moro que determinou a prisão preventiva de Eduardo Cunha é fascinante.

Eduardo Cunha era (é) um dos políticos mais influentes e detestados no Brasil, sendo um evidente símbolo das baixas manobras políticas e da corrupção que minam a sociedade brasileira. Deputado federal desde 2003, foi reeleito várias vezes e chegou a presidente da Câmara dos Deputados. Foi o impulsionador do impeachment da presidente Dilma Roussef. Em Junho deste ano foi denunciado pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fraudulenta de divisas e falsificação e, no passado dia 12 de Setembro, viu declarada a perda do mandato como deputado, perdendo, assim, a imunidade parlamentar.

Sérgio Moro, neste despacho em que analisa as acusações que impendem sobre Eduardo Cunha e decreta a sua prisão preventiva, começa por enquadrar a actuação deste político dentro do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da empresa estatal Petrobras, passando a seguir às acusações concretas, para as quais indica existirem provas sumárias e evidentes: Eduardo Cunha recebeu cerca de um milhão e meio de dólares pela sua “participação” na aquisição pela Petrobras dos direitos de exploração de um campo de petróleo na República do Benim. A investigação conseguiu apurar que essa verba circulou por mais de um offshore até chegar à Orion SP, um trust com sede em Edimburgo pertencente a Eduardo Cunha. Cunha é também o destinatário final do Triumph SP, outro trust por onde circulou dinheiro ilícito e a sua mulher, Cláudia, é titular da conta Kopek, num banco na Suíça, onde foram igualmente recebidas avultadas verbas e cujos gastos, através de cartões de crédito, segundo referem os jornais brasileiros, se repartiram, ao longo dos anos, em estadias em hotéis de luxo e em lojas de marca como Chanel, Prada, Ermenegildo Zegna e outras.

Eduardo Cunha, já anteriormente ouvido, alegara que o milhão e meio de dólares que recebera mais não era do que um empréstimo, justificação que não pareceu convincente ao juiz, até por não estar documentalmente comprovada.
Sergio Moro, após concluir existirem sérios indícios da prática dos crimes por Eduardo Cunha, concluiu também que havia riscos de perturbação do inquérito, tendo em conta a numerosa prova acumulada de anteriores actuações de Eduardo Cunha no sentido de prejudicar as investigações da operação Lava-Jato, nomeadamente intimidando testemunhas; e, face ao facto de se estar frente a um caso de corrupção e lavagem de dinheiro e de Cunha estar indiciado em outros processos do mesmo tipo, Moro considerou também existirem riscos para a ordem pública, se não fosse decretada prisão preventiva.

A parte final do despacho é particularmente educativa.  Moro, para além de determinar que não devem ser utilizadas algemas e que, “tanto quanto possível”, não se deve permitir a filmagem da prisão, lembra que as considerações que fez sobre as provas apresentadas pelo Ministério Público visaram apurar, de forma sumária, da necessidade da prisão e não representam um juízo definitivo sobre os factos, o que só será viável após o fim das investigações e especialmente após o contraditório. E, por fim, escreve Sergio Moro: “Decreto o sigilo sobre esta decisão e sobre os autos dos processos até a efetivação da prisão. Efetivada a medida, não sendo mais ele necessário para preservar a eficácia da diligência, fica levantado o sigilo. Entendo que, considerando a natureza e magnitude dos crimes aqui investigados, o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre os  autos. O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelo acusado, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal.”

Vale isto por dizer que, a partir de agora, não haverá segredo de justiça no processo contra Eduardo Cunha. Notável e, seguramente, um motivo para nos congratularmos com a Justiça brasileira!

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