O vice de Trump ensinou-lhe como manter a calma num debate

Mike Pence evitou defender ou criticar as declarações polémicas do seu chefe e surgiu como um nome a ter em conta em futuras eleições para a Casa Branca.

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AFP/SAUL LOEB

O máximo que se pode dizer de um debate entre dois candidatos a vice-presidente dos Estados Unidos é que os telespectadores têm poucos motivos para mudarem de canal quando estão a ver um jogo de futebol americano. O desta madrugada, entre o republicano Mike Pence e o democrata Tim Kaine, não escapou à regra, mas ainda assim o vice de Donald Trump obteve uma dupla vitória: uma para o seu chefe, ao manter unida a sua base de apoio em 2016, e outra para si próprio, apresentando-se aos conservadores mais tradicionais como uma boa hipótese para 2020 se a candidatura de Trump se espalhar ao comprido no próximo dia 8 de Novembro.

Depois de um debate entre os dois colossos, na semana passada, os candidatos a vice tiveram a sua primeira e única oportunidade para se mostrarem aos eleitores. Como se esperava, ambos passaram mais tempo a tentar atacar as fragilidades dos seus líderes do que a discutir com profundidade os temas que preocupam os eleitores, mas a calma com que Mike Pence reagiu à ofensiva de Tim Kaine – ainda para mais depois de uma semana muito complicada para Donald Trump – deu-lhe uma ligeira vantagem nas sondagens rápidas: na CNN, e num painel com “um pouco mais de democratas”, como salientou um dos pivôs, Pence recebeu 48% das preferências, contra 42% de Kaine.

Os números reflectem mais a forma do que a substância, até porque a substância raramente é convidada para este tipo de debates – acima de tudo é preciso deixar uma impressão, ou aquilo a que se costuma chamar a postura presidenciável.

Numa inversão de papéis que se revelou forçada demais, Tim Kaine, o senador da Virginia que se descreveu como “entediante” depois de ter sido escolhido por Hillary Clinton, partiu para o ataque assim que a moderadora Elaine Quijano deu o tiro de partida. Disparava rajadas de insultos proferidos por Donald Trump ao longo dos útimos dias, semanas, meses, anos e décadas como se quisesse deixar bem claro quem é que uma parte do eleitorado quer ver na Casa Branca – como se essa parte do eleitorado não estivesse a pensar votar em Donald Trump precisamente por causa desses insultos.

Mas o objectivo do candidato a vice-presidente do Partido Democrata era outro: tentar encostar Mike Pence à parede e obrigá-lo a dizer em público se concordava com as opiniões mais polémicas e extremistas do seu chefe. Ao contrário de Trump, que na semana passada se deixou enervar facilmente com as bicadas de Clinton, Pence nunca vacilou. À boa maneira de um político experiente e bem treinado para este debate, nem disse que sim, nem disse que não – deixou Tim Kaine falar e limitou-se a dizer que aquelas afirmações atribuídas a Donald Trump não eram verdadeiras, apesar de serem.

“Não posso acreditar que o governador Pence defenda a campanha insultuosa que o Donald Trump tem feito”, disse um agitado Tim Kaine assim que reparou que Mike Pence não estava ali para repetir a insegurança de Trump frente a Clinton.

Mais tarde, uma nova tentativa, também sem sucesso: “Esta noite já disse seis vezes ao governador Pence que não consigo imaginar como é que ele pode defender as posições do seu parceiro de candidatura, e em todas essas seis ocasiões ele recusou-se a defendê-las.” A resposta de Mike Pence, governador do Indiana, voltou a surgir de forma calma: “Não ponha palavras na minha boca.”

O debate era mais complicado para Mike Pence, que tinha de aplacar o ataque do adversário no final de uma semana péssima para Donald Trump: primeiro o debate com Clinton, depois uma guerra no Twitter contra uma antiga Miss Universo, e por fim a revelação de que o candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano declarou uma perda de quase mil milhões de dólares em 1995, o que lhe pode ter garantido o não pagamento de impostos federais pelo menos durante 18 anos.

O problema para o candidato do Partido Democrata é que o seu adversário não estava ali para responder. A estratégia era clara: fingir-se de morto quando confrontado com os inúmeros problemas de Donald Trump, e dizer aos eleitores do Partido Republicano que torcem o nariz ao magnata do imobiliário que ele está ali para ser o adulto na Casa Branca, apesar de ser 13 anos mais novo.

Numa campanha atípica – em que um candidato pode gabar-se de ter sido “brilhante” ao aproveitar a lei a seu favor para não pagar impostos e não vê a sua base de apoio abanar –, Mike Pence deu-se ainda ao luxo de falar como um verdadeiro republicano conservador, daqueles que os eleitores conhecem pelo menos desde o tempo de Ronald Reagan.

Num claro afastamento das declarações de Donald Trump, o candidato a vice-presidente acusou o Presidente russo, Vladimir Putin, de ser “um pequeno e provocador líder”, que “está a ditar as regras a todos os Estados Unidos da América, a maior nação da Terra”. E deixou mesmo um aviso a Moscovo, quando a conversa se virou para a guerra na Síria.

“As provocações da Rússia têm de ser confrontadas com a força da América. E se a Rússia decidir continuar a envolver-se neste ataque bárbaro a Alepo, os Estados Unidos da América devem usar a sua força militar para atacar alvos do regime de Assad.”

Kaine bem tentou lembrar que Donald Trump tem elogiado as capacidades de liderança de Vladimir Putin, e que o próprio Mike Pence se referiu ao Presidente russo como um “excelente líder” (na verdade, Pence referiu-se a Putin com um líder “forte”), mas nada disso desviou o candidato do Partido Republicano dos seus objectivos principais para o debate: não comprometer Trump e atirar-se para os primeiros lugares da fila no partido se a vida lhe correr mal nas eleições de Novembro.

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