Passos diz que Governo está esgotado mas não está para acabar

Ao líder do PSD, nem o sol de Setembro trouxe um sorriso e prefere continuar a ser o profeta da desgraça deste Governo. Diz-se “realista” quando atribui ao executivo do PS com o apoio do BE e do PCP palavras como "condenado ao fiasco" e "fracasso".

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Passos Coelho nFactos/Fernando Veludo/Arquivo

Nesta rentrée política dos sociais-democratas, que se faz a dois tempos, Passos insistiu neste domingo, em Castelo de Vide, no encerramento da Universidade de Verão da JSD, na nota que já tinha deixado na Festa do Pontal a 15 de Agosto: a solução de Governo protagonizada pela esquerda “está esgotada”. Não falou em “Diabo”, desta vez só referiu o “inferno”, não falou em “resgate”, mas apimentou as palavras para insistir nas “consequências” e “sacrifícios” que se avizinham. Falou nesse “espantalho da austeridade” e sobretudo pôs-se fora de qualquer entendimento com a actual solução governativa.

Dizer que a solução “está esgotada” não é o mesmo que dizer que o Governo está para acabar. Passos mune-se dos números da previsão de crescimento e até da execução orçamental, para encontrar as evidências de que “esta solução está condenada ao fiasco e ao fracasso. Porque não tem capacidade reformadora. Só há apoio para desfazer as reformas que fizemos e gerir o dia-a-dia. “Até podem estar cá quatro anos, mas não conseguirão gerar um grama de expectativa para o futuro", disse.

A profecia de Passos Coelho não é, pelo menos a assumida, a de que este Governo vai quebrar nas negociações para o Orçamento de 2017 e que o país teria de ir para eleições. O vaticínio que faz é que o executivo até se pode ir entendendo pelo caminho da legislatura, mas que isso só serve para atrasar Portugal naquilo que é preciso fazer. E tudo com apenas um objectivo: a “sobrevivência político-partidária”.

"Estamos a viver um tempo em que as oportunidades de construir uma sociedade mais próspera está de certa maneira em jogo", disse. E reforçou a ideia que o Governo só pensa em ir vencendo o tempo presente, sem construir para o “médio, longo prazo” e que se assim não for, o país precisará de se esforçar mais: "Quando no passado se procurou melhorar a situação presente sem atender às consequências que isso podia implicar para futuro, o futuro revelou-se muito mais difícil – com mais sacrifícios e a retirar a cada pessoa um horizonte de maior felicidade", disse. 

Passos Coelho responde assim também aos críticos que o têm acusado de ser o portador das más notícias. E vai continuar a sê-lo. "Está este Governo a empreender essas reformas? Não creio. Creio antes pelo contrário que esta solução de governo está esgotada. É uma solução que se centra no curto prazo, imobilismo, em que a dificuldade de encontrar entendimentos, de entre a maioria, que devem ser feitos, ocasiona um status quo que não acrescenta futuro, e que nos empurra para o passado. É muito importante que o Governo arrepie caminho. Não vale a pena vir com o espantalho da austeridade. (...) Deixemos o espantalho da austeridade que foi trazida pelos socialistas e que nós tivemos de cumprir também".

O homem que diz que o PSD tem um programa de futuro, alicerça a sua visão do que será o destino do actual Governo com o que já aconteceu, colando, implicitamente ao executivo socialista de José Sócrates. "Já ocorreu no passado, aqueles que nunca quiseram na sua auto-suficiência emendar os erros e quiseram depois responsabilizar aqueles que apontaram os erros. Não venham no futuro aqueles que hoje tomam as decisões  responsabilizar pelos resultados os que chamaram a atenção para os erros que estavam a ser cometidos".

Uma inversão de papéis

Neste domingo, a linha do discurso de Passos Coelho resumiu-se a a este raciocínio: esta solução de Governo não vai além "do dia-a-dia", só pensa na "sobrevivência político-partidária" do presente e não tem ímpeto reformista para o futuro. Nisso, quem pensa é o PSD, diz o ex-primeiro-ministro, que está na barricada da crítica e não tem medo do "espantalho da austeridade" – porque, afinal, foi o PS que a trouxe para Portugal nos tempos idos de 2010.

Feita a estrutura do discurso, traça o que vai ser o PSD novamente na oposição, Passos insistiu na ideia de que, sob a sua batuta, o PSD se manterá a salientar o que há de negativo porque nunca o ouvirão dizer "que se lixe o país, o que é preciso é salvar a pele", num remake do que foi a sua célebre frase "que se lixem as eleições". Este é o mesmo PSD das origens de Sá Carneiro, aquele que quer "reafirmar que o primado da política é sempre a pessoa e a sua dignidade", e por isso o PSD tem uma visão de futuro que passa por políticas na Educação e na Saúde.

É o próprio Passos Coelho que salienta haver uma inversão de papéis entre o PSD e o PS, sempre com crítica ao Governo. A divulgação dos dados do INE para o crescimento (que nem o Governo fez questão de festejar), mostra uma perspectiva de crescimento em baixa, e os da execução orçamental, pelo qual o próprio primeiro-ministro puxou, são disso exemplos.

Ora, o líder do PSD aproveita para lembrar que antes eram os socialistas que o criticavam por não investir e com isso não promover o crescimento e que agora estão mais preocupados com o défice. "Estão a devolver rendimentos a um ritmo acelerado e afinal o consumo não está a crescer ao ritmo esperado e o investimento está a cair a pique. Lembram-se quando os socialistas nos acusavam de não investirmos? Gastam ainda menos. Tem sido a principal variante de ajustamento orçamental. Imaginem os socialistas preocupados com ajustamento orçamental! Não gastam porque não têm", ironizou.

Esta inversão deu-se há meses com a passagem de um para o Governo e de outro para a oposição. Passos Coelho, líder da oposição, centra boa parte do discurso nas desigualdades sociais, compara Portugal ao resto do mundo para dizer que "vivemos num país que apesar de tudo se insere entre sociedades e economias que são consideradas avançadas", mas que apesar disso "não nos podemos conformar". E agora é o tempo, diz Passos: "Não fiquemos para trás enquanto país. Estamos a perder as oportunidades". 

Agora, não falou em "resgate", mas referiu "consequências" e  "sacrifícios", duas palavras do léxico associadas à troika, à austeridade e aos anos da sua governação. Foi por isso que lembrou que o seu mandato foi talvez aquele com "circunstâncias mais difíceis" desde 1974 e que por ter tido essa experiência quando foi primeiro-ministro não a quer repetir quando voltar a sê-lo. "Não queremos ser cúmplices de uma situação em que o país tenha de passar por novos sacrifícios apenas para satisfazer a ideia de sobrevivência político-partidária seja de quem for". Recado dado a Costa, outra vez, depois de na semana passada ter dito que não apoiaria o Orçamento para o próximo ano.

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