Imunidade diplomática impede detenção de suspeitos de agressão brutal

Vítima é um rapaz de 15 anos, residente em Ponte de Sor, onde a agressão ocorreu. Jovem foi transferido de helicóptero para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde se encontrará em coma induzido.

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GNR identificou suspeitos da agressão, mas entregou o caso à PJ. Foto: Carla Carvalho Tomás

Os dois filhos gémeos do embaixador do Iraque em Lisboa, suspeitos de terem agredido brutalmente um rapaz de 15 anos, em Ponte de Sor, na noite de terça para quarta-feira, não podem ser detidos por gozarem de imunidade diplomática. Tal não impede a Polícia Judiciária (PJ) de continuar a investigar o caso e de recolher provas, mas o caso só poderá avançar contra estes suspeitos se o Estado Iraquiano levantar essa imunidade. 

O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) confirma, numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, que "os jovens têm imunidade diplomática nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas". Adianta ainda que "a imunidade de jurisdição penal é absoluta e só pode ser objecto de levantamento ou renúncia por parte do Estado representado por essa missão diplomática".

O caso, diz o MNE, "está a ser devidamente acompanhado pelas autoridades judiciais competentes". Por seu lado, a Procuradoria-Geral da República apenas confirma a abertura de um inquérito que se encontra em investigação. O MNE admite que poderá servir de intermediário com o Estado iraquiano se para tal for solicitado. "Eventuais diligências diplomáticas poderão ser consideradas, de acordo com o Direito Internacional, se tal vier a revelar-se necessário no decurso do processo", refere.

Os filhos de um embaixador que estejam acreditados em Portugal como familiares de diplomata gozam dos privilégios e imunidades iguais aos do pai, incluindo o de não serem detidos nem presos, tal como o previsto naquela convenção, de 1961. Esse acordo internacional prevê o seguinte no seu artigo 29: "A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objecto de qualquer forma de detenção ou prisão". Por outro lado, determina que “membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidades” daquele, nomeadamente a imunidade na jurisdição penal.

Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2008, recordava que quando fica demonstrado que os suspeitos "são agentes diplomáticos, abrangidos pela citada convenção, fica o Estado Português limitado na sua soberania, na parte relativa ao exercício de jurisdição penal em relação a crimes, alegadamente, por eles cometidos". 

A identificação dos suspeitos foi feita pela GNR, que entregou o caso à PJ, que, para já, não os pode deter. O responsável do gabinete de imprensa da Guarda Nacional Republicana (GNR), o major Marco Cruz, confirmou ao PÚBLICO que um rapaz de 15 anos foi gravemente agredido em Ponte de Sor e foi encontrado por volta das 4h da manhã de quarta-feira “caído na via, sozinho”. Os suspeitos da agressão são dois estrangeiros de 17 anos, acrescentou o major Marco Cruz, que não adiantou mais pormenores sobre os alegados agressores.

O Correio da Manhã (CM) escreve na edição desta quinta-feira que os supostos autores da agressão são filhos gémeos do embaixador do Iraque em Lisboa, que o carro em que seguiam era da embaixada e tem matrícula diplomática, tendo isso facilitado a localização, pela GNR, dos jovens. O embaixador e o cônsul encontram-se ambos em Portugal, segundo soube o PÚBLICO junto do embaixada, mas nenhum esteve disponível para falar aos jornalistas. O Jornal de Notícias adianta, por seu lado, que os suspeitos são estrangeiros aspirantes a pilotos e têm aulas de pilotagem no aeródromo de Ponte de Sor.

Militares da GNR estiveram perto do local onde o rapaz foi encontrado, cerca de duas horas antes das agressões. “A primeira ocorrência foi às 2h da manhã”, disse o major Marco Cruz da GNR. Os elementos da guarda foram chamados porque teria havido uma rixa entre os dois suspeitos e um grupo de jovens à porta de um bar. “Todos foram identificados e nenhum quis fazer uma queixa”, acrescenta, dizendo não saber o que originou o desacato e remetendo para a Polícia Judiciária. Duas horas depois, voltaram a ser chamados, desta vez, porque o rapaz tinha sido encontrado.   

Fernando Morgado, do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), precisa que o pedido de socorro chegou às 3h50, via 112. Foram de imediato accionadas duas ambulâncias para o local, que prestaram os primeiros cuidados e registaram "uma vítima grave com múltiplos ferimentos", que acabou por ser transferida de helicóptero para o Hospital Santa Maria (HSM) em Lisboa. 

Simão Velez, comandante dos Bombeiros Voluntários de Ponte de Sor, que estiveram no local, explica que os socorristas se depararam com um cenário preocupante, face à gravidade das lesões. "Encontramos um jovem com um traumatismo craniano grave, que apresentava um edema significativo na face e na cabeça", descreve o comandante. "Já o encontrámos consciente, mas desorientado no tempo e no espaço e com um discurso incoerente", acrescenta. A vítima foi então levada para o Serviço de Urgência Básica de Ponte de Sor, onde foi confirmado, através de uma radiografia, que apresentava lesões no crânio. "Após a estabilização, foi transferido de helicóptero", remata Simão Velez

Segundo o CM, um dos suspeitos seguia a pé e o outro na viatura que terá abalroado o jovem, depois espancado a murro e pontapé, ficando parcialmente desfigurado. Aquele jornal adianta que o rapaz se encontraria nos cuidados intensivos, em coma induzido. Contactada pelo PÚBLICO, fonte da assessoria de imprensa da unidade de saúde recusou-se a prestar qualquer informação sobre o estado do jovem, por se tratar de um menor. Com Bárbara Reis

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