Quem tramou a eleição de Correia de Campos?

Nenhuma bancada assume responsabilidade no chumbo, mas o clima hostil entre PS e PSD pode ter contribuído para a necessidade de uma segunda volta.

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Ainda não se sabe se Correia de Campos se submete a nova votação FERNANDO VELUDO/NFACTOS

Um dia depois do chumbo de António Correia de Campos para a presidência do Conselho Económico e Social (CES), as bancadas parlamentares de PS e PSD atiraram culpas em todos os sentidos. Como o voto foi secreto, ninguém consegue apurar com precisão quem foram os responsáveis por faltarem 42 votos. O certo é que há quem justifique, em parte, o que aconteceu com o mau ambiente entre PS e PSD que se vive no Parlamento desde o início da legislatura, quando foram quebradas algumas tradições. Mas há outras razões que podem ter levado a uma tempestade perfeita.  

Para algumas fontes ouvidas pelo PÚBLICO, há sociais-democratas que não se sentiram obrigados a votar no socialista Correia de Campos - o nome acordado entre PS e PSD para presidir ao CES –, depois de os socialistas terem quebrado a praxe parlamentar de eleger para presidente da Assembleia da República um candidato do partido mais votado nas legislativas. As bancadas da esquerda elegeram o socialista Ferro Rodrigues contra a vontade do PSD e CDS, cuja coligação somou mais votos nas eleições de Outubro.

Esse argumento também gerou resistência na bancada do PSD em votar na lista proposta para a Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado por incluir o socialista João Soares. O facto de também incluir a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho foi o aspecto que levou alguns a acabarem por colocar a cruz no boletim, já que a lista é fechada, não permitindo votações individuais. Os dois deputados e o vice-almirante José Torres Sobral conseguiram os dois terços indispensáveis para a eleição.

Outras fontes acreditam que a responsabilidade pelo chumbo de Correia de Campos é repartida por várias bancadas. No caso do CDS, os deputados também não se sentiram na obrigação de votar em Correia de Campos porque não fizeram parte do acordo entre PS e PSD, apenas foram informados sobre esse entendimento.

Apesar de Correia de Campos ser do PS, há quem acredite que alguns sectores do partido não esquecem algumas das suas posições, consideradas de direita, nem as suas decisões de encerrar centros de saúde e maternidades quando foi ministro da Saúde no Governo liderado por Sócrates entre 2005 e 2008.  

Outros parlamentares admitiram ao PÚBLICO que não gostaram de saber que a tomada de posse do novo presidente já estava marcada para esta quinta-feira de manhã, dando assim como certa a eleição. Há ainda quem lembre que o PCP se queixou de discriminação por não ter sido consultado pelo PS sobre este acordo que incluía os nomes para outros órgãos externos, o Tribunal Constitucional, Conselho Superior da Magistratura e a Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado.

Correia de Campos ficou aquém dos dois terços exigidos e obteve apenas 105 votos, 93 brancos e 11 nulos. Entre os nove deputados que faltaram à votação está a segunda figura do PS, a secretária-geral adjunta Ana Catarina Mendes. A deputada não foi votar por supor que as urnas estariam abertas até mais tarde, mas o horário estipulado era entre as 10h e as 16h, numa sala perto do plenário. Ana Catarina Mendes disse ter estado no plenário durante a manhã, mas deixou o acto de votar para o período da tarde. “Estive numa reunião entre as 15h e as 16h30 e pensei que as urnas só fechariam no final do plenário”, disse ao PÚBLICO, lamentando o seu próprio “lapso”. Ana Catarina Mendes, que é vice-presidente da bancada, disse ainda apoiar totalmente a candidatura de Correia de Campos. “Lamento que não tenha sido eleito”, afirmou.

Depois de meses de impasse em torno dos candidatos, o chumbo de Correia de Campos causou muito desconforto na direcção da bancada do PSD. O líder parlamentar Luís Montenegro rejeita qualquer responsabilidade exclusiva da sua bancada, mas assegurou manter intacto o acordo que celebrou com o PS para propor um nome para a presidência do CES, seja Correia de Campos ou um outro candidato a indicar pelos socialistas. O PS ainda não tomou posição sobre essa segunda volta, que ficará para depois das férias parlamentares.

Para o líder da CGTP, Arménio Carlos o nome de Correia de Campos “não se deve manter”. Em declarações à TSF, Arménio Carlos, que tem assento no CES, defendeu a necessidade "acabar com a bipartidarização, porque não pode haver partidos excluídos".

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, apenas qualificou, em declarações à TSF, o episódio como “negativo e incómodo”.

Contactado pelo PÚBLICO, Correia de Campos disse não pretender comentar o sucedido.

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