A força está com Sanders, mas a matemática está com Clinton

Hillary Clinton vai somar delegados suficientes para ser nomeada candidata do Partido Democrata, mas Bernie Sanders garante que vai lutar até ao fim para convencer muitos "superdelegados" a mudarem de opinião. Agência AP diz que Hillary já atingiu o número mágico dos 2383 delegados.

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Hillary Clinton MIKE BLAKE/REUTERS
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Bernie Sanders Barbara Davidson/AFP
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Apoiantes de Hillary Clinton Justin Sullivan/AFP
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Apoiantes de Bernie Sanders Bill Wechter/AFP
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Clinton com apoiantes Justin Sullivan/AFP
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Sanders com apoiantes Bill Wechter/AFP

Terça-feira, 7 de Junho de 2016, é o dia em que a morte e os impostos deixam de ser as únicas coisas inevitáveis na vida: descontando uma surpresa tão grande que poderia ser vista a partir do espaço, Hillary Clinton vai declarar vitória nas eleições primárias do Partido Democrata e os apoiantes do seu único adversário, Bernie Sanders, vão prometer continuar a lutar até ao fim contra um sistema que dizem estar viciado à partida.

Ainda não é o último dia do longo processo de escolha do candidato oficial do Partido Democrata à Casa Branca, mas a votação da próxima semana na capital federal, Washington D.C., vai contar para pouco. Antes disso, esta terça-feira, milhões de eleitores vão escolher entre Clinton e Sanders em seis estados, entre eles a gigantesca Califórnia e a influente Nova Jérsia.

Depois das vitórias nos territórios de Porto Rico e das Ilhas Virgens, no fim-de-semana, Hillary Clinton chega ao dia decisivo com uma vantagem confortável em todos os indicadores – tanto o indicador que realmente interessa (o número de delegados conquistados durante as primárias) como outros indicadores que contribuem de forma decisiva para que a sua nomeação seja vista como inevitável (apoio de mais delegados sem disciplina de voto e liderança no voto popular).

A poucas horas da abertura das urnas (e já depois do fecho da edição do jornal), a agência Associated Press avançou que Clinton já alcançou mesmo o número mágico de delegados (2383, entre delegados e "superdelegados") necessário para ser a primeira mulher nomeada para a corrida à Casa Branca – as estimativas da Associated Press servem de referência a todos, incluindo às candidaturas oficiais, e baseiam-se em inquéritos constantes a cada um dos mais de 700 "superdelegados".

Como seria de esperar, esta notícia não levou a ex-secretária de Estado a cantar vitória ("Segundo as notícias, estamos à beira de um momento histórico", disse Clinton, garantindo que vai lutar por cada voto nas primárias desta terça-feira), e mereceu contestação da campanha de Bernie Sanders, alegando que os "superdelegados" não devem ser contados, porque podem mudar de opinião até à convenção de Julho.

É precisamente esta questão que mantém Sanders na corrida: como a nomeação só se torna oficial em Julho, na convenção do partido, o candidato diz que poderá convencer muitos "superdelegados" a mudar de ideias até lá. É por isso, diz Sanders, que o número de "superdelegados" não deve ser incluido no total que está a ser avançado pela Associated Press.

O caminho para a nomeação de Hillary Clinton começou a ficar desimpedido há três meses, no dia 1 de Março, quando 11 estados foram a votos na chamada Super Terça-feira. Desses 11 estados, Clinton venceu sete e Sanders venceu quatro, mas foi o número de delegados atribuídos a cada um dos candidatos que desequilibrou a balança de forma decisiva para o lado da candidata: 486 para Clinton e 321 para Sanders.

A tendência já tinha começado a desenhar-se antes disso, desde 1 de Fevereiro, e manteve-se depois da Super Terça-feira de 1 de Março: enquanto Bernie Sanders transformava a sua promessa de uma revolução política em vitórias em estados mais pequenos, com menos delegados em jogo, Hillary Clinton triunfava principalmente em estados de maior dimensão; enquanto Sanders convencia um eleitorado mais jovem, branco e independente, Clinton recebia os votos de mais mulheres, afro-americanos e habituais eleitores do Partido Democrata.

Estes são os factos: a poucas horas da fase final das primárias, Hillary Clinton tem 1812 delegados que são obrigados a apoiá-la na convenção do partido, em Julho, quase 13 milhões de votos e o apoio declarado de 571 delegados que podem votar como bem entenderem na convenção (conhecidos como "superdelegados"); Bernie Sanders tem 1517 delegados, quase dez milhões de votos e o apoio de 46 "superdelegados". Para confirmar a nomeação, um candidato precisa de garantir pelo menos 2383 delegados – se não chegarem os que são conquistados durante as primárias, somam-se os "superdelegados" para calcular as contas finais.

Tudo somado – e partindo do princípio de que os "superdelegados" de Hillary Clinton se mantêm fiéis na convenção –, a candidata poderia até perder todos os 806 delegados que estão em jogo esta terça-feira na Califórnia (546), Montana (27), Nova Jérsia (142), Novo México (43), Dacota do Norte (23) e Dacota do Sul (25). Na próxima terça-feira, em Washington D.C., há mais 45 delegados em jogo.

Com estes números, dizer que Hillary Clinton tem 99% de hipóteses de ser nomeada candidata do Partido Democrata às eleições presidenciais dos EUA não é fazer o jogo do "establishment", nem desejar que os especuladores de Wall Street continuem a criar produtos financeiros com letras tão pequenas que nem com um microscópio se consegue lê-las.

Não faltam exemplos de comentários sobre o mais do que provável desfecho destas primárias no Partido Democrata. O director do site FiveThirtyEight, Nate Silver, escreveu no Twitter, com ironia, que "a 'estratégia' de Clinton é persuadir mais 'pessoas' a 'votar' nela, produzindo dessa forma uma 'maioria' de 'delegados'".

O economista Paul Krugman escreveu no seu blogue no New York Times que, "a partir de uma certa altura, tudo se resume a uma questão simples e concreta de contagem de delegados", acrescentando que "as pessoas não estão a ser devidamente informadas sobre a simples aritmética da situação". E o líder do Partido Democrata no Senado, Harry Reid, aconselhou Sanders a sair da corrida o mais rapidamente possível para que Clinton possa concentrar-se em Donald Trump nas eleições gerais de Novembro: "Há ocasiões em que só nos resta desistir. Nunca fui muito bom a matemática, mas neste caso acho que consigo adivinhar o resultado. Era bom que ele fizesse algumas contas", disse o senador numa entrevista à Associated Press, referindo-se a Bernie Sanders.

Sem razões para desistir

O principal problema de Hillary Clinton é que Bernie Sanders ainda não tem um único motivo político para atirar a toalha ao chão – seja qual for o discurso público de Sanders, é ingénuo acreditar que um político de 74 anos que começou como presidente da câmara da cidade mais populosa do estado do Vermont em 1981, que foi membro da Câmara dos Representantes durante 16 anos e que é senador desde 2007 não sabe que a guerra pela nomeação está perdida.

O que move Bernie Sanders é a convicção de que está a um passo de empurrar o Partido Democrata mais para a esquerda, e de que está a dar força a um movimento que pode ajudar a transformar o panorama político no país nos próximos anos, inspirando uma geração de jovens sem complexos de se assumirem como socialistas – durante a campanha, Sanders e o seu movimento já forçaram Hillary Clinton a defender o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora, por exemplo.

Para consolidar essa viragem à esquerda, o experiente senador quer manter a sua adversária em guarda até à convenção do partido, em Julho, e já disse várias vezes que não irá abandonar a corrida seja qual for o resultado das votações desta terça-feira.

Em sua defesa, Sanders pode argumentar que a própria Hillary Clinton não admitiu a derrota frente a Barack Obama no dia decisivo das primárias nas eleições de 2008. Nesse dia, 3 de Junho, depois de ter vencido no Dacota do Sul e de ter perdido no Montana, Clinton não disse o que Obama gostaria de ter ouvido. "Esta campanha tem sido longa, e eu não vou tomar nenhuma decisão esta noite", disse Clinton, deixando os seus apoiantes em delírio.

É verdade que nesse ano Clinton tinha mais argumentos para continuar a pressionar Obama do que Sanders tem este ano para não deixar Clinton em paz – a candidata tinha apenas menos 127 delegados do que Obama (Sanders tem menos 290 do que Clinton e as primárias ainda não acabaram); tinha menos 206 "superdelegados" do que Obama (Sanders tem menos 502 e muitos ainda não revelaram o seu sentido de voto); e tinha mais 272 mil votos do que Obama (Sanders tem, até agora, menos três milhões de votos).

Ainda assim, o apoio de Hillary Clinton a Barack Obama não tardou – quatro dias depois, a 7 de Junho, a então senadora de Nova Iorque estava a dizer "Yes We Can" no último comício da campanha, em Washington D.C.

Mas este ano as contas são mais complicadas, apesar de especialistas como Nate Silver e Paul Krugman dizerem que a questão se resume a "simples aritmética".

Em 2008, Obama era um jovem senador do Illinois com uma mensagem mais de esperança do que de revolução, e profundamente comprometido com o seu partido, tal como Hillary Clinton; em 2016, Sanders é um senador eleito como independente, que vota com o Partido Democrata mas que só se filiou nele em 2015 para concorrer às primárias, e que se assume como socialista na pátria do capitalismo.

Por outras palavras, é fácil perceber que Bernie Sanders tem uma motivação diferente, mais aberta a uma confrontação com o aparelho do Partido Democrata, ao qual não deve a mesma lealdade que Barack Obama ou Hillary Clinton; mas também não é difícil perceber que esse desprendimento em relação às estruturas só muito dificilmente lhe vai dar o melhor dos dois mundos.

A luta de Bernie Sanders pode muito bem continuar até Julho, mas para que essa estratégia lhe dê a nomeação do Partido Democrata na convenção, o candidato tem de fazer no próximo mês e meio o que não conseguiu fazer nos últimos 14 meses, desde que anunciou a sua candidatura: convencer centenas de "superdelegados" (congressistas, governadores e líderes partidários de longa data) a virarem as costas a Hillary Clinton, a candidata que se filiou no Partido Democrata há 48 anos, que esteve na Casa Branca durante oito anos com o marido, Bill Clinton, que foi senadora de Nova Iorque outros oito anos, eleita pelo Partido Democrata, e que foi secretária de Estado na Administração Obama entre 2009 e 2013.

Como moeda de troca, Sanders tem apenas um trunfo: as sondagens dão-lhe uma vitória sobre Donald Trump por números muito mais expressivos do que Hillary Clinton. Mas enquanto a candidata continuar a surgir também à frente do magnata nas eleições gerais, muitos "superdelegados" fiéis ao partido terão poucos motivos para arriscarem um confronto com a sua liderança pondo em causa o apoio a Clinton.

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