Costa lança plano de reformas para captar financiamentos europeus

Com uma conferência na terça-feira, o Governo vai procurar alterar o Portugal 2020 e tentar capitalizar o financiamento europeu que permita não em renegociação da dívida.

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Primeiro-ministro concorda com as exigências de competitividade de Angela Merkel FABRIZIO BENSCH/REUTERS

Com o Orçamento do Estado aprovado, o Governo lança-se na fase seguinte da governação: debater e aprovar um novo Plano Nacional de Reformas em coordenação estreita com a preparação de alterações ao Plano de Estabilidade e que terá a sua concretização na preparação do Orçamento do Estado para 2017.

O momento do arranque desse debate será uma Conferência Nacional sobre o Plano Nacional de Reformas a realizar na próxima terça-feira, dia 29 de Março.

A ideia do Governo para a alteração do Plano Nacional de Reformas passa por dar resposta positiva às críticas que foram feitas pela Comissão Europeia no último relatório sobre Portugal, divulgado no final de Fevereiro. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o Governo considera que este documento é uma “oportunidade para o contra-ataque”, já que identifica um conjunto de debilidades da economia portuguesa por resolver como o baixo nível de qualificação, a burocratização dos serviços públicos, os atrasos na Justiça e a deficiente capitalização de empresas.

Esta intenção foi já comunicada ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pelo primeiro-ministro, António Costa, logo no jantar que juntou ambos em Lisboa, a 8 de Março, véspera da posse do novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

A ideia é a de assim ter a posição da Comissão Europeia e a identificação de problemas que esta fez como base das reformas a fazer e não contestar as críticas. Essa grelha identificada pela Comissão Europeia será completada com soluções retiradas do Programa do Governo. Por outro lado, o Governo dá assim vazão aos temas do impulso para a convergência que estavam no documento que o PS português e o PSOE aprovaram em Budapeste, em 2015.

Por exemplo, na qualificação dos portugueses, a ideia vai ser a de que é preciso aumentar o aproveitamento e diminuir o abandono escolar. Para o excesso de burocratização, a aposta é o Simplex. Na Justiça, a prioridade será dada aos processos fiscais. Outra dimensão do Plano Nacional de Reformas é o prosseguir do plano energético que o relatório da Comissão Europeia considera já ter sido melhorado.

Parte importante deste plano de reformas passa pela valorização das empresas. Haverá ainda uma aposta nos centros tecnológicos ao nível da busca de criação de condições para as empresas, isto sem esquecer a sua capitalização. Esta solução será coordenada com as alterações ao Plano de Estabilidade que serão apresentadas à Comissão Europeia em Abril.

O Governo entende que desta forma responde à Comissão Europeia, retoma a iniciativa frente aos parceiros de acordo de Governo - o BE, o PCP e o PEV - e força o debate destas questões na concertação social. O objectivo é tentar envolver o maior número possível de forças no debate político, o qual se quer pacificado e não crispado. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO a tónica da pacificação tem como promotor máximo o novo Presidente da República.

Sobreviver pelas diferenças
Mesmo antes de ser eleito, já Marcelo Rebelo de Sousa dava sinais de que não iria demitir um Governo de esquerda e, depois da posse, a cooperação entre Presidente e Governo é estratégica. A ideia transmitida ao PÚBLICO por um conselheiro do Presidente é a de que, para Marcelo, este Governo “tem que durar e ganhar solidez para lá do OE2016”. De acordo com o mesmo conselheiro de Marcelo, o Presidente tem consciência de que “mesmo a direita tem de ter tempo para se recompor”, num momento em que “esta solução de Governo não tem alternativa”, pois “a direita não tem programa, nem tem discurso e não se ganham eleições a defender de novo mais cortes nos salários".

Assim, com uma relação pessoal cordial, Marcelo e Costa têm falado mais de uma vez ao dia por telefone e coordenado estratégias face à União Europeia e internamente. Segundo um membro do Governo disse ao PÚBLICO, “Marcelo, como antes Cavaco, está empenhado em transmitir uma imagem de estabilidade e de normalidade, a imagem de que Portugal não é a Irlanda nem a Espanha”.

A aposta numa imagem de normalidade e de pacificação política é um ponto de honra nos parceiros de acordos bilaterais para a governação, escoada a agenda e ultrapassada a fase inicial de estabelecimento de relações e de quebra de tensões em dossiers difíceis como as divisões em torno das 35 horas e da gestão da banca.

As diferenças em relação à divida são públicas mas não há expectativa de que a harmonia entre PS, BE e PCP seja posta em causa por causa delas. “A gerigonça [nome dado por Vasco Pulido Valente aos acordos de governo e introduzida no debate parlamentar por Paulo Portas] é o contrário das coligações habituais, as coligações eliminam as diferenças, o PSD e o CDS tinham reuniões para estar de acordo, a geringonça assenta no princípio de que os três partidos são diferentes em tudo excepto o que está expresso nos acordos bilaterais”, assume um membro do Governo ao PÚBLICO.

Daí que não haja tensão no Governo em relação ao facto de quer o PCP quer o BE defenderem a reestruturação da dívida. E o mesmo membro do executivo remata: “Isso faz parte da solução, permite que cada um tenha a identidade própria de cada um.” A autonomia dos parceiros é salientada também pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira, para quem o contributo dos comunistas para a governação se faz através das “medidas identificadas na posição conjunta, com a consciência de que umas são imediatas e outras têm um calendário mais alargado que implica também trabalho, discussão e aprofundamento”. E, como exemplo, aponta dossiers: política fiscal, precariedade e financiamento da segurança social. “Estas matérias estão identificadas para discutir. Mas nada disso são linhas vermelhas e esperamos conseguir soluções”, afirma João Oliveira.

Em nome do BE, o deputado Jorge Costa assume que o seu partido está consciente de que “agora se abre um ciclo de pressões políticas externas e internas sobre o Governo para alterar a natureza do seu mandato”. Mas acredita que “esta maioria se formou para terminar um ciclo de empobrecimento e é isso que a vai manter”. Até porque o BE acredita no que tem sido o discurso do primeiro-ministro, garante Jorge Costa: “O Governo tem assumido que perante imprevistos ou necessidades, as medidas novas não passarão por cortes em salários e em pensões, nem por nova carga fiscal sobre rendimentos ou sobre os bens essenciais.”

É esta a linha vermelha para a cooperação do BE que aposta em conseguir alargar consensos e encontrar até ao Verão soluções concretas que contribuam para uma estratégia de fim do empobrecimento que possam ser adoptadas no OE2017. Isto no âmbito dos grupos de trabalho que estão a ser formados entre BE e o PS: sustentabilidade da dívida, precariedade, políticas de habitação, financiamento da Segurança Social e custos energéticos.

Nó górdio financeiro
O nó górdio da governação de António Costa é a sua capacidade de encontrar solução financeira para viabilizar a economia portuguesa e conseguir atingir patamares de desenvolvimento. Esta questão é uma das preocupações centrais de António Costa, de acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO. Mas o primeiro-ministro terá já dito: “Recuso fazer a figura do Varoufakis.”

Em causa está resolver a necessidade de financiamento da economia portuguesa e tal objectivo só pode ser atingindo pelo aumento das transferências europeias no âmbito do Portugal 2020 – Programa Nacional de Reformas ou através da diminuição da dívida, já que o peso do serviço dos juros da dívida externa pública portuguesa atinge neste momento oito mil milhões de euros e irá aumentar. “É preciso arranjar dinheiro para desenvolver o país que não conseguimos com o peso dos juros. Ou gastamos menos com a dívida ou temos mais receita para que proporcionalmente custe menos”, assumiu ao PÚBLICO um membro do Governo.

Ainda que consciente da situação, o primeiro-ministro não tenciona tomar qualquer posição oficial sobre a dívida nem assumir que está consciente de que a situação da dívida não é sustentável. Na sequência do que foi feito pelo anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, na negociação do Portugal 2020, António Costa pretende manter no Programa Nacional de Reformas a ideia de que os fundos para Portugal sejam aumentados em função da exigência do cumprimento de critérios de competitividade e não apenas de critérios de coesão como era tradicional na posição portuguesa.

O objectivo é assim satisfazer as exigências alemãs. Como disse um membro do Governo ao PÚBLICO, “se o primeiro-ministro português fala de reestruturar ou perdoar divida portuguesa a Angela Merkel, não haverá segunda conversa entre os dois”. Daí que esteja a ser negociado por Costa no âmbito europeu a aceitação de mais fundos para Portugal no âmbito da contratualização de programas específicos e parcelados. Por exemplo, um programa para combater o abandono escolar pode pressupor que o financiamento europeu seja feito em parcelas associadas a metas de competitividade. Isto é, as parcelas de financiamento chegam consoante os critérios são cumpridos.

Renzi, a lebre
Já em relação à divida e à sua renegociação ou reestruturação, António Costa aguarda que a questão surja oficial e publicamente nas reuniões da União Europeia levantada pelo primeiro-ministro socialista italiano, Matteo Renzi. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, está a ser coordenada no âmbito da Internacional Socialista que será Renzi a avançar com a questão no seio da União Europeia. Essa questão terá estado já na agenda secreta de algumas reuniões como, por exemplo, a que decorreu dia 12 de Março, em Paris, no Palácio do Eliseu, presidida por François Hollande.

Nesta estratégia socialista, de que Juncker tem conhecimento, para António Costa ficará um papel de eventual construtor de pontes entre Renzi e a Comissão Europeia, bem como com Merkel. Para isso contou a capacidade de o Governo português desfazer a imagem de crise e de conflito interno. Uma imagem negativa que foi desfeita com a contribuição do próprio Presidente da República, em conversas com a Comissão Europeia. Assim como teve o contributo do comissário Carlos Moedas, que se aliou a Costa para garantir que “não há uma pulsão Varoufakis no Governo português”.

Com a frente europeia coordenada com os seus camaradas do Partido Socialista Europeu, Costa prepara-se para gerir esta nova fase com os parceiros de acordos bilaterais, o BE, o PCP e os Verdes. Ao que o PÚBLICO apurou, há no BE a consciência plena de que o PS tem uma estratégia europeia para a dívida.

Por seu lado, o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, adianta ao PÚBLICO que o seu partido irá abordar a questão da dívida “na lógica bilateral com o PS”. E explica que, para o PCP, “a dívida não é um problema para só ser colocado em Bruxelas”, a sua insustentabilidade tem de ser discutido em Portugal, Já que “vai ser impossível resolvê-la a breve prazo” e o país “não vai conseguir cumprir prazos, nem juros, isto vai exigir uma resposta.

Reconhecido que a defesa pelo PCP da renegociação “é uma resposta parcial”, João Oliveira sustenta que “esta discussão tem de ser feita. E não escondendo que sabe que “o PS tem outra solução que passa por resolver a questão na Europa”, o líder da bancada comunista sublinha que “o Governo tem que assumir o desencadear do processo perante os credores”. E remata: “É uma discussão que procuraremos fazer sem perspectivas fechadas.”

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