MP defende absolvição de inspectora da PJ condenada por matar avó do marido

Sentenciada a 17 anos de cadeia, Ana Saltão continua a pôr em causa investigação desenvolvida pelos seus colegas da brigada de homicídios da Judiciária

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Nuno Ferreira Santos

O Ministério Público defendeu, no Supremo Tribunal de Justiça, a absolvição da inspectora da Polícia Judiciária Ana Saltão, condenada pelo homicídio da avó do marido. Num parecer que juntou ao processo, cuja sentença será conhecida a 17 de Março, a procuradora-geral adjunta Graça Marques alega que a existência de contradições entre os diferentes factos provados torna impossível a condenação da arguida.

O crime teve lugar em 2012, em Coimbra. Dezena e meia de tiros disparados por uma arma do mesmo tipo das usadas pelas forças policiais puseram fim à vida da octogenária. Ana Saltão, que sempre pôs em causa a idoneidade da investigação do crime por parte dos seus colegas da brigada de homicídios da Judiciária, começou por ser absolvida em primeira instância por um tribunal de júri, para depois, em 2015, ver o Tribunal da Relação de Coimbra sentenciá-la a 17 anos de cadeia.

Nas alegações que fez esta quarta-feira no Supremo Tribunal de Justiça, a sua advogada, Mónica Quintela, sublinhou algumas contradições do acórdão da Relação de Coimbra, como o facto de a vítima apresentar 16 orifícios de entrada de bala no corpo, mas os juízes falarem em 14 – porque o carregador da arma de uma colega da arguida que desapareceu para nunca mais ser encontrada só tinha 14 balas, defendeu, alegando “manipulação da prova durante a investigação”. Terão sido estas e outras discrepâncias a fazer com que o Ministério Público pugne pela absolvição - muito embora a procuradora Graça Marques nunca empregue essa palavra, preferindo aludir à inviabilidade da condenação. Para fundamentar a sua posição, que contraria a dos procuradores que a antecederam nos outros dois tribunais pelos quais o processo passou antes, a magistrada aponta vários outros vícios e incongruências ao acórdão dos juízes do Tribunal da Relação de Coimbra, nomeadamente o facto de nunca terem conseguido identificar o móbil do crime. Seriam as exigências da idosa para que lhe fosse devolvido o dinheiro de um empréstimo que tinha feito ao neto e à inspectora? Não ficou provado que as coisas se tenham passado dessa forma.

O facto de terem sido encontrados num blusão de Ana Saltão resíduos de chumbo provenientes dos disparos de uma arma de fogo não constituiu, para o tribunal de primeira instância, prova convincente, por se ter concluído que, antes de ter sido analisada pelos peritos forenses, a peça de roupa havia sido deixada no chão de um gabinete da Judiciária, ficando por isso exposta a contaminação enquanto prova. “O facto de a investigação ter inexplicavelmente – e contra todas as normas que quanto a esta matéria regem uma investigação policial – exposto no chão de um gabinete da Polícia Judiciária a roupa sujeita a perícia comprometeu irremediavelmente o valor probatório das conclusões periciais, como a própria perita que a elaborou admitiu em sede de audiência de julgamento quando confrontada com tal facto”, observaram juízes e jurados. “A isto acresce ter colocado no mesmo saco duas peças de roupa e uns ténis embrulhados num simples saco de mercearia”.

“Este incompreensível descuido da investigação relativamente a uma das mais fortes provas em que assentava a acusação não pode ser suprido por qualquer esforço do tribunal”, acrescentaram na mesma sentença. Outro foi, porém, o entendimento do Tribunal da Relação: também deixadas no chão do mesmo gabinete da Judiciária, as calças de ganga que a arguida entregou para análise não apresentavam vestígios de chumbo, o que demonstra, no entender dos juízes, não ter, afinal, existido contaminação das provas. Para complicar tudo, a directora da escola da filha da arguida, que mora na Maia, afiança que quando a inspectora ali foi buscar a criança no dia do crime envergava umas calças de fato de treino claras, não de ganga.

A advogada da arguida argumenta também que o Tribunal da Relação de Coimbra violou a Constituição, ao contrariar por completo a sentença da primeira instância. Ao "proceder a um segundo julgamento, alterando a decisão do tribunal de júri em sentido diametralmente oposto", o Tribunal da Relação de Coimbra pôs em causa o princípio democrático que consigna a intervenção dos cidadãos nos tribunais na qualidade de jurados, conclui Mónica Quintela, citando um artigo do presidente do Supremo, no qual este escreve que a reapreciação de um processo no qual intervieram jurados deve incluir jurados outra vez. 

Por isso, se Ana Saltão voltar a ser condenada no Supremo, Mónica Quintela promete recorrer uma vez mais à justiça, agora para o Tribunal Constitucional. 

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