Corrupção à beira de fazer explodir o PP espanhol

Durante anos acumularam-se casos de esquemas ilegais de financiamento do maior partido da direita espanhola, sem que Mariano Rajoy tenha tido grande reacção. Agora o próprio partido pode estar a chegar ao limite.

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Mariano Rajoy Reuters

Esperanza Aguirre demitiu-se da presidência do Partido Popular (PP) de Madrid, três dias depois de a Guarda Civil ter realizado buscas na sede regional do PP, em Madrid, numa investigação que já levou à prisão por corrupção colaboradores próximos da líder histórica da direita espanhola. Já Rita Barberá, a quem o ainda primeiro-ministro Mariano Rajoy, chamava a “presidente de câmara de Espanha” – porque presidiu ao município de Valência durante 25 anos – barrica-se no cargo de senadora para recusar responder às suspeitas de corrupção que se avolumam à sua volta, depois de nove dos dez vereadores da sua equipa terem sido indiciados.

O PP em final de mandato, e após umas eleições de resultado inconclusivo a 20 de Dezembro, é um partido minado pela corrupção. No entanto, Rajoy, o seu líder, continua a manter a sua atitude de esfinge em relação a toda a lama sobre o seu partido que vai sendo dragada das profundezas pelos muitos processos judiciais que vão sendo abertos, alguns deles a serem investigados há anos, e que revelam esquemas ilegais de financiamento do PP sempre algo semelhantes: contabilidades paralelas, cobrança de comissões ilegais a empresas às quais câmaras ou outros níveis do poder local espanhol atribuem contractos para construção, realização de eventos, tratamento de resíduos ou eficiência energética. 

Estas redes de interesses incluem autarcas, presidentes de regiões autonómicas, dirigentes partidários, empresários, e vêm ainda dos tempos em que José Maria Aznar liderava o partido. É o que acontece com o caso Gürtel, talvez o mais famoso, que tem ramificações para Madrid: o processo de de Luís Bárcenas, em torno do ex-tesoureiro do PP que de 1990 a 2008 manteve uma contabilidade paralela do partido, através da qual captou oito milhões de euros em donativos ilegais de empresas que fizeram contratos com a Administração Pública.

Este dinheiro entrava no cofres do partido repartido em somas de 60 mil euros – o máximo permitido pela lei para doações – e era usado não só nas campanhas eleitorais como para custear outras despesas de líderes partidários, em envelopes bem recheados. E, segundo as investigações mais recentes, terá sido usado para pagar as obras de recuperação da sede do PP no edifício da Rua de Génova, 13, em Madrid, no valor de 1,7 milhões de euros.

O juiz José Castro exigiu esta semana à presidência do PP, ou seja a Rajoy, um relatório sobre as obras no primeiro andar da sede do partido, por suspeitar de que a empresa OHL, ou alguma sua subcontratada, pagou com dinheiro não declarado estas obras como contrapartida para obter a adjudicação do Hospital Son Espases, a maior obra pública das Baleares. Os novelos dos inquéritos judiciais tornam-se, assim, nacionais, e cada vez mais intrincados.

Rajoy tem planado sobre tudo isto, como se nada fora com ele – embora seja líder do partido que mais se tem visto enleado nas tramas da corrupção nos últimos tempos, e isso dificulte as possibilidades de formar uma coligação para governar. Qualquer um dos outros partidos resiste à possibilidade de se aliar ao PP de Rajoy por causa da corrupção, embora nem o PSOE nem o próprio Podemos estejam livres da sua mancha.

Por isso um grupo de líderes mais jovens do PP está a revoltar-se contra a falta de resposta do partido e contra a desmoralização que causa nas bases. Os três vice-presidentes “mediáticos” nomeados pelo próprio Rajoy no Verão passado para serem o rosto e a voz do PP nos media, após os maus resultados nas eleições locais, fizeram saber na semana que passou que se sentem a queimar em lume cada vez menos brando por causa da falta de resposta do líder aos inúmeros casos de corrupção, e que querem que as coisas mudem. Exigem “uma limpeza e expulsões”, relatava o El País.

Fuga de Aguirre

A demissão de Esperanza Aguirre foi uma bofetada a Rajoy,  no dia 14 de Fevereiro. “A corrupção está a matar-nos”, afirmou a líder do PP de Madrid. Demitiu-se num momento em que a justiça tenta afincadamente encontrar provas para a ligar directamente a algum crime de corrupção – porque são vários os casos no PP madrileno, e deram já origem à detenção de alguns dos seus colaboradores próximos.

Francisco Granados, que teve vários cargos na Comunidade de Madrid entre 2008 e 2011, tendo Aguirre como presidente, está na prisão desde 31 de Outubro de 2014, no âmbito da investigação da operação Púnica. No fim do ano passado teve uma resposta negativa ao pedido de libertação, depois de ter sido encontrado no sótão da casa dos seus sogros uma pasta com um milhão de euros – cuja proveniência os donos da residência disseram desconhecer.

O caso ganhou novo vigor depois de o empresário David Marjaliza, sócio de Granados, se dispor a colaborar com a justiça, explicando como funcionava a trama. Entre outros, estão acusados de crimes de branqueamento de capitais, solicitação de subornos, tráfico de influências e organização criminosa.

Segundo a acusação da Audiência Nacional – um tribunal superior espanhol com jurisdição sobre crimes que afectem todo o território e também internacionais –, a rede que dirigiam especializava-se em “mover vontades em vários municípios” da Comunidade de Madrid, para obter “chorudos benefícios ilegais”. Faziam-no manipulando os processos de adjudicação de contratos com empresas e requalificação de terrenos para construção. Os lucros, segundo os investigadores, “eram transferidos para países fiscais”.

Até agora, Esperanza Aguirre tem conseguido passar incólume, apesar de a corrupção andar perigosamente perto de homens que, num período ou outro, foram a sua mão direita. As suspeitas recaem também sobre Ignacio González, que era o seu número dois, e sobre quem se concentram as atenções agora. Investigam-se sobretudo as contas da empresa pública Canal de Isabel II, que fornece água aos cerca de 6,5 milhões de habitantes da Comunidade de Madrid. O que está em causa é a possibilidade de González ter usado esta e outra empresa pública para pagar campanhas de imagem na Internet de altos cargos do PP e da política local.

“Massa para todos”
Madrid e Valência são as regiões com os casos de corrupção política do PP mais importantes. Valência é o núcleo do caso Gürtel – uma complicada investigação iniciada em 2007, que revelou um esquema de financiamento ilegal do PP, mas também para benefício próprio de vários políticos, através da cobrança de luvas a empresas, sobretudo de construção. O cabecilha da operação era o empresário Francisco Correa, que numa escuta foi ouvido a dizer sobre Valência “aqui há massa para todos”, relata o El País.

O caso levou a tribunal o presidente da Comunidade Valenciana, Francisco Camps – mas foi absolvido em 2012 num julgamento por júri, mas a sua carreira no PP ficou arruinada. O mesmo não aconteceu a Rita Barberá, a presidente do município de Valência, a seu lado na política de captar grandes eventos para a cidade e para a comunidade – alguns organizados pelo Instituto Nóos, de Iñaki Urdangarin, o marido da infanta Cristina. O caso de corrupção que abalou a monarquia está neste momento em julgamento.

Mariano Rajoy dizia no fim de Janeiro, mesmo depois de se saber que toda a antiga equipa de Barberá na câmara de Valência estava sob investigação, que ela “está completamente limpa”. A cumplicidade cimentou-se no congresso do PP de 2008, que Barberá dirigiu, e onde Esperanza Aguirre tentou arrebatar a presidência a Rajoy. E foram os votos do PP de Valência e da Andaluzia que lhe garantiram a vitória então.

Mas depois de perder as últimas eleições municipais, em 2015, Rita Barberá tornou-se senadora e, como tal, só o Supremo Tribunal pode agir contra ela – faz parte dos 17.621 detentores de cargos públicos, segundo o El País, que não podem julgados por tribunais normais.

A queda de Barberá
No entanto, os indícios contra a administração de Barberá têm-se acumulado no último mês. A posição da direcção do PP evoluiu rapidamente, com Rajoy a passar a falar dela como “apenas mais uma militante” e a dizer que “toda a gente, seja quem for, tem o mesmo tratamento. Isto acabou-se.”

Barberá é relacionada com a operação Taula – está em investigação desde 2003 – , que desvenda uma rede no PP valenciano em que era cobrada uma comissão ilegal de 3%  – o  valor mais comum – pela adjudicação de contratos com órgãos de governo locais. Esse dinheiro servia para financiar campanhas eleitorais e gastos pessoais dos políticos.

Existiria até um ranking das empresas mais dispostas a colaborar e das menos satisfeitas com este esquema corrupto, que penalizava as que não colaboravam, revelam as gravações de um cúmplice na rede, que gravou as conversas dos seus companheiros durante anos e acabou por denunciá-los.

Está também aberta uma investigação sobre possíveis irregularidades nos gastos de representação de Barberá, que ascenderam a 278 mil euros em quatro anos, incluindo uma noite de hotel no valor de 700 euros, e a viagem à Galiza em 2012 para o funeral de Manuel Fraga, a grande figura tutelar da direita espanhola, de quem era próxima, reveladas pelo caso Ritaleaks.

Tudo isto criou um grande desconforto na sociedade espanhola, a par com a crise económica. A percepção da corrupção, que é medida pelo índice da associação Transparência Internacional, coloca o país na 36.ª posição, com um índice de 58 (quanto mais perto estiver do 100, menos corrupto é o país). Desde 2009 que a pontuação espanhola tem vindo a descer, o que quer dizer que os cidadãos sentem que há mais corrupção, não necessariamente que há mesmo mais crime.

“O que temos é, sobretudo, alta corrupção: a sensação de que as empresas devem pagar aos políticos ou aos seus partidos para obter contratos ou benefícios públicos. É uma corrupção tão intensa como pouco extensa”, disse ao El País Victor Lapuente, investigador do Instituto de Qualidade da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Não se corre o risco de ser parado na rua por um polícia que peça dinheiro para poder continuar caminho, ou que seja preciso subornar alguém para ter assistência médica – coisas que acontecem noutros países onde a corrupção está generalizada a todos os sectores da sociedade. “Em Espanha o que há é um sério problema de corrupção política por causa de graves defeitos das instituições”, afirmou ao mesmo jornal Manuel VIlloria, co-fundador da Transparência Internacional Espanha.

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