“Só metade dos homens sabe que há um medicamento que evita o VIH”

Judith Aberg, da Faculdade de Medicina Icahn no Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque, esteve há dias em Lisboa a falar sobre o vírus da sida.

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Judith Aberg Ricardo Campos

É responsável pelo departamento das doenças infecciosas, e o seu principal foco é o vírus da sida. O tema que trouxe a médica Judith Aberg às Jornadas de Actualização em Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral foi a profilaxia pré-exposição contra o VIH (Prep, sigla em inglês de pre-exposure prophylaxis). Em Nova Iorque, há 120.000 pessoas com o vírus da sida e o objectivo é acabar com a epidemia, o que passa por evitar novas infecções. A Prep, que ainda não chegou a Portugal, é o instrumento mais recente nesta luta. Usa o Truvada, um medicamento anti-retroviral contra o VIH que também impede a infecção pelo vírus. O problema, diz a médica, é a falta de conhecimento sobre a Prep.

Qual é a política de saúde dos EUA em relação à Prep?
É uma política orientada para as populações com comportamento de risco. As pessoas que estão infectadas com o VIH devem ser medicadas para ficarem com o vírus indetectável no sangue. Assim, o risco de se transmitir o vírus a outras pessoas é praticamente zero. Aos indivíduos que têm um alto risco de adquirir VIH oferecemos a Prep diária. Um comprimido por dia.

Quais os grupos que beneficiam mais da Prep?
Os homens que têm sexo anal desprotegido com outros homens. Fazemos uma despistagem para identificar quem tem comportamentos de risco. O que pode ser difícil, às vezes as pessoas não querem revelar os riscos que correm. A população que partilha seringas [no uso de drogas intravenosas] é outra. Também recomendamos a Prep para casais serodiscordantes, em que uma das pessoas é seropositiva e a outra é seronegativa.   

Cidades como São Francisco querem tornar-se livres do VIH com a ajuda da Prep. É possível?
Vai ser difícil ficarem completamente livres porque há ainda poucas pessoas a tomarem a Prep. Em Nova Iorque temos uma campanha forte vinda do gabinete do Governador, oferecendo a medicação. Mais uma vez, quem decide são os indivíduos. Recomendamos que toda a gente use preservativos. Obviamente, nem toda a gente os usa. Por isso, oferecer a Prep ajuda, mas, a não ser que se consiga que toda a população infectada seja medicada e fique com o vírus indetectável e aqueles que estão em risco de se infectarem tomem os medicamentos, vai demorar tempo.

Os críticos da Prep dizem que tem efeitos secundários, temem que se deixe de usar o preservativo e que torne o VIH mais resistente ao Truvada. Qual é a sua opinião?
Os estudos mostram que o medicamento é muito bem tolerado. Na maior parte dos casos, estamos a falar de uma população de jovens saudáveis. No estudo [francês] Ipergay, mostrou-se que havia mais casos de sintomas como dores de estômago, diarreia e vómitos. Mas eram casos menores. Na maioria dos casos tem sido muito bem tolerado. Temos preocupações com o consumo prolongado em relação à perda de densidade óssea. Mas estamos a trabalhar em estratégias mais seguras. A Gilead, que produz o Truvada, está a trabalhar num novo composto que tem menos efeitos nos rins e ossos. E há o interesse em desenvolver um medicamento injectável, que se tomaria uma vez por mês. Quanto aos preservativos, não vemos um aumento de risco. Até houve um aumento no seu uso.

Um aumento no uso de preservativo?
Sim. Em parte deve-se aos ensaios clínicos e de insistirmos nas consultas da Prep na importância do sexo seguro, na necessidade de se usar o preservativo e na importância dos parceiros infectados com o VIH iniciarem a medicação. Além disso, o objectivo não é que as pessoas usem a Prep para sempre, mas que reduzam o risco de serem infectadas pelo VIH. Cerca de um terço das pessoas ainda tem outras infecções sexualmente transmissíveis. Ainda há indivíduos a correr riscos, mas esse risco não aumentou desde que a Prep passou a estar disponível.

E o aumento de resistência do VIH ao Truvada?
Em teoria, essa pode ser uma questão. Mas não vimos nada nos ensaios clínicos.

Há outros países onde a Prep esteja a ser aplicada?
A Agência Europeia de Medicamentos (AEM) ainda não aprovou o uso profiláctico do Truvada, o que infelizmente põe a Europa num estado de paralisação na luta contra a sida. Do que sei, tem havido audições sobre a questão e a AEM vai apoiar o uso. Há ensaios clínicos no Reino Unido. Mesmo aqui em Portugal o assunto está a ser acompanhado pelo CheckpointLX [centro em Lisboa dirigido aos homens que têm sexo com homens e que está a tentar fazer um ensaio clínico da Prep].

Quais são os passos necessários para a aprovação da Prep?
Primeiro, a empresa farmacêutica Gilead tem de apresentar à AEM toda a informação sobre segurança [do uso do Truvada como profiláctico]. Há os estudos Ipergay em França e o Proud em Londres, que mostraram uma redução de 85% de novas infecções pelo VIH. A informação está aí para apoiar o uso da Prep.

Qual é aí o papel das organizações não-governamentais nos grupos em risco de infecção pelo VIH?
Elas podem transmitir a mensagem. Quando vemos os inquéritos, verificamos que só metade dos homens sabe que a Prep existe. Ainda mais importante, o número de prescrições da Prep é muito baixo. Isso deve-se à falta de conhecimento, e não é só dos homens em risco, é também dos médicos. Em Nova Iorque – onde a Prep foi aprovada há três anos –, o seu uso é decepcionante por ser baixo. Quer sejam as barreiras do seguro de saúde quer seja porque no grupo de homens que têm sexo com homens se pensa que a infecção pelo VIH só acontece aos outros, é necessário haver aconselhamento para a redução de riscos e dizer às pessoas que há muitas formas de reduzir esse risco. E a Prep é uma delas.

Qual é o perigo de adiar a entrada da Prep nos países?
É o aumento de novas infecções. Tanto o estudo Proud como o Ipergay foram interrompidos porque houve um aumento de incidência do VIH no grupo que só ia começar a Prep passado algum tempo e no grupo que estava a tomar um placebo, em relação ao grupo que fazia a Prep. O risco existe e nós podemos fazer algo com a Prep e devemos fazê-lo.

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