Advogados pedem arquivamento da queixa contra irmã do rei de Espanha

O julgamento de Cristina de Borbón e do seu marido, Iñaki Urdangarín prolonga-se pela noite dentro. É um processo histórico que já obrigou a monarquia espanhola a mudar.

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Urdangarín e Cristina, à chegada à sala do julgamento Marcelo del Pozo/Reuters

O primeiro dia do julgamento da irmã do rei de Espanha, Cristina de Borbón, prolongou-se pela noite dentro em em Palma de Maiorca, com dois advogados e um juiz a pedir que seja ilibada. Está no banco dos réus acusada de cumplicidade de fraude fiscal num processo civil e, disse o juiz anti-corrupção Pedro Horrach, julgá-la significa "quebrar a igualdade" dos cidadãos perante a lei e "discriminá-la".

A próxima sessão do julgamento está marcada para 9 de Fevereiro, mas a juíza-presidente prometeu que antes disso o tribunal decidirá se a infanta (a forma como são conhecidas as filhas de reis em Espanha) continuará no banco nos réus. Em causa está o caso Nóos, um grande escândalo de corrupção que tem na acusação a Fazenda e o Ministério Público e cuja figura central é o marido de Cristina, Inaki Urdangarin.

Cristina é um réu acessório e pode beneficiar da chamada Doutrina Botín, que permite a um acusado por delitos fiscais evitar o julgamento se contra ele não tiverem sido feitas acusações públicas ou particulares de lesados, sublinhando que estão em causa ilícitos que prejudicaram o interesse comum.

A infanta sentou-se no banco dos réus porque o juiz que dirigiu a investigação ao caso Nóos, José Castro, considerou que não se deveria aplicar a Doutrina Botín (nome de um antigo director do Santander, ilibado num julgamento que envolvia outros administradores deste banco). O próprio Ministério Público defendeu que Cristina não devia ser julgada e foi isso que começaram por dizer os seus advogados, os advogados do sócio de Urdangarin e o juiz anti-corrupção de Palma, Pedro Horrach.

Horrach lembrou que a decisão que criou a Doutrina Botín fez jurisprudência, e que a única solução no caso  de Cristina de Borbón é a queixa ser arquivada. E, já ao fim do dia, apresentou aos juízes mais um documento benéfico para a irmã do rei, elaborado a pedido do Ministério Público pelo departamento de impostos - foi nesse momento que a primeira sessão do julgamento foi interrompida. O documento acabou por ser aceite pelos juízes.

O documento, que foi aceite pelo tribunal, é um relatório da Agência Tributária que explica os seus procedimentos, ilibando dessa forma a infanta dos crimes fiscais que lhe são imputados pelos investigadores de uma operação anti-corrupção chamada Mãos Limpas, que accionou o processo civil contra a infanta, explica o jornal El Mundo, que mostra uma cópia do documento.

"Injustiça tripla"

A equipa da Mãos Limpas respondeu que se a infanta for ilibada, comete-se uma "injustiça tripla": "Prejudica-se a Justiça espanhola, é feito um ataque grave contra as instituições do Estado, a começar pela Coroa, e a própria infanta fica estigmatizada", ou seja corre o risco de ser considerada beneficiada por ser quem é.

Se Cristina ainda tem a possibilidade de ver anulada a acusação — os advogados da Mãos Limpas pedem oito anos de prisão para a irmã do rei Felipe VI —, Urdangarín sabe desde já que a sua sentença será pesada.

O Ministério Público e a Fazenda pedem, respectivamente, 19 anos e 26 anos de prisão para Inaki Urdangarin, casado com a infanta há 18 anos, antigo jogador de andebol e, durante anos, apelidado de "genro perfeito" do rei Juan Carlos. Isto até se saber que desviou mais de seis milhões de euros de dinheiro público, pago a uma empresa que dirigia, a Nóos, e que oficialmente era uma organização sem fins lucrativos para a promoção do desporto em Espanha. A Nóos, considerou a acusação, era uma "teia de facturação fictícia" criada por Urdangarín e pelo seu sócio, Diego Torres.

Cristina de Borbón aparece envolvida através da empresa Aizoon, sua e do marido, através da qual verbas desviadas pela Nóos entravam no património familiar, servindo para pagar contas domésticas — através deste esquema, não eram declarados rendimentos que resultaram numa fraude fiscal de 337.138 euros nos anos de 2007-08.

Além de Cristina, de Urdangarín, de Torres e da sua mulher (o advogado desta também defendeu que Cristina fosse ilibada, esperando que a medida também tire do banco dos réus a sua cliente), estão a ser julgadas perto de 20 pessoas envolvidas no esquema. Mas o impacto deste julgamento está profundamente centrado no que acontecerá à infanta e ao marido, uma vez que o caso está relacionado com a casa real.

Aliás, o advogado de Diego Torres voltou a pedir que sejam ouvidos como testemunhas Felipe VI e Juan Carlos, nunca nomeados pelo nome mas como "o cunhado e o sogro" de Urdangarin. Um primeiro pedido nesse sentido tinha sido recusado, antes do julgamento começar. O monarca e o ex-rei estão protegidos por lei e não respondem em processo judiciais. O objectivo do advogado era perguntar-lhes se alguma vez intercederam a favor dos negócios da Nóos.

O caso debilitou a imagem da monarquia, precipitando a abdicação de Juan Carlos (afectado por este escândalo e outros do foro pessoal) em Junho de 2014, e obrigando o novo rei, Felipe VI, numa luta para restabelecer o prestígio à instituição, a retirar o título de duquesa à irmã e a reduzir a composição oficial da família real ao seu núcleo familiar directo (mulher e filhas) e aos pais, os reis eméritos que vivem agora separados.

Sinal desta crise familiar que prejudicou a instituição, nem um membro da família se sentou na sala onde decorrem as audiências em Palma de Maiorca. Sinal do mediatismo deste julgamento: os hotéis de Palma mais próximos do local do julgamento esgotaram com as reservas dos jornalistas e fotógrafos que cobrem as audiências.

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