Polícia faz buscas a Eduardo Cunha no âmbito da Operação Lava Jato

Operação policial na residência e escritório do presidente da Câmara dos Deputados abre nova fase da investigação. Processo para suspender o seu mandato vai avançar

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Os investigadores à saída da casa de Eduardo Cunha em Brasília EVARISTO SA/AFP

Em 63 a.C., Catilina, nobre romano com uma vasta folha de abusos de poder, conspirou para derrubar o governo republicano e foi denunciado e afastado por Cícero num brilhante e famoso acto de oratória conhecido como Catilinárias, que abre com o desabafo: “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?”

Catilinárias foi o nome dado pelos investigadores da Lava Jato — que revelou a teia de corrupção envolvendo as maiores construtoras brasileiras, políticos e quadros da maior empresa estatal, a petrolífera Petrobras — a uma nova fase da operação, iniciada na madrugada desta terça-feira com um mandado de busca e apreensão levado a cabo pela Polícia Federal nas residências e escritório de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados pertencente ao PMDB que tem sido a principal figura de bloqueio ao Governo de Dilma Rousseff e que há duas semanas accionou o processo de destituição da Presidente (impeachment ) no Congresso. Cunha está a ser investigado pelo Ministério Público por suspeitas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O parlamentar foi denunciado por dois réus da Operação Lava Jato, que afirmam que ele recebeu cinco milhões de dólares de suborno em contratos da Petrobras, que terão alimentado contas secretas de Cunha e familiares na Suíça.

Apesar das suspeitas que recaíram sobre si há meses, Cunha tem-se mantido na presidência da Câmara dos Deputados e tem determinado a agenda legislativa — acelerando o andamento de vários projectos de lei conservadores para reforçar as alianças políticas que lhe têm garantido a permanência no cargo —, além de levar a cabo todo o tipo de manobras para anular o processo que foi aberto contra si no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados com vista à suspensão do seu mandato.

Ninguém parecia ter dúvidas, esta terça-feira, sobre a comparação com a tentativa de golpe de Catilina ou sobre quem, mais de dois mil anos depois, está a abusar da paciência dos brasileiros.

Além de Eduardo Cunha, a Polícia Federal (PF) efectuou buscas simultâneas nas residências de dois ministros, Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) e Henrique Eduardo Alves (Turismo), próximos do presidente da Câmara dos Deputados, do senador e ex-ministro Edison Lobão e do deputado Aníbal Gomes. Todos são do PMDB, partido de Cunha. No total, a PF realizou 53 mandados de busca e apreensão em sete estados brasileiros e na capital, Brasília, todas relacionadas com a Operação Lava Jato. O objectivo é evitar que provas incriminatórias sejam destruídas pelos investigados e apreender bens que possam ter sido adquiridos por prática criminosa. Entre os itens apreendidos pela polícia estará o telemóvel de Eduardo Cunha, segundo a imprensa brasileira.

A acção foi pedida pela Procuradoria-Geral da República e autorizada pelo juiz do Supremo Tribunal Federal que é o relator na Lava Jato, Teori Zavascki. Não foram feitas detenções, até porque muitos dos investigados beneficiam de imunidade parlamentar.

Em Julho, quando três senadores investigados na Lava Jato foram alvo de buscas, Cunha desafiou a polícia a ir a sua casa. “A porta da minha casa está aberta. Vão à hora que quiserem. Eu acordo às seis. Não cheguem antes das seis, para não me acordar", disse então. Foi, justamente, às seis da manhã, que a Polícia Federal bateu à porta de Cunha esta terça-feira.

O dia reservou ainda outro revés para Cunha: depois de sucessivos adiamentos, o Conselho de Ética aprovou mesmo a abertura do processo contra o presidente da Câmara dos Deputados, por quebra de decoro parlamentar.

Por 11 votos contra nove, o Conselho de Ética decidiu pela admissibilidade do processo de cassação (impugnação) do mandato do deputado. Os aliados de Cunha tinham apresentado vários requerimentos para adiar a votação e, segundo o jornal O Globo, repentinamente, retiraram todos os pedidos. Cunha é acusado de mentir à Comissão de Inquérito da Petrobras, em Março, sobre contas mantidas na Suíça e tem dez dias úteis para apresentar a sua defesa.

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