As penas de Maria

Um filme rigoroso e claustrofóbico sobre uma adolescente apanhada nos dilemas da religião.

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Estações da Cruz: uma adolescente (magnífica Lea van Acken) apanhada entre a vontade de ser uma rapariga da sua idade e a rigidez estrutural da denominação católica purista em que é educada DR

É sempre curioso sublinhar os contrastes e as rimas que os acasos da distribuição cinematográfica em Portugal trazem ao de cima.

Volta a acontecer agora com o tema do fundamentalismo religioso e da sua distorção o mundo que o rodeia – explorado pelo notável Timbuktu de Abderrahmane Sissako, estreado na semana passada, mas que o alemão Dietrich Brüggemann trabalha na sua vertente “europeia” e católica na sua quarta (e também ela excelente) longa. Em Estações da Cruz, Brüggemann acompanha o conflito de uma adolescente (magnífica Lea van Acken) apanhada entre a vontade de ser uma rapariga da sua idade e a rigidez estrutural da denominação católica purista em que é educada. À medida que a sua confirmação se aproxima e que Maria tenta negociar as armadilhas do mundo à sua volta, a opressão da sua dinâmica familiar (mãe tirânica, pai ineficaz) e os dogmas da sua fé, que elevam a pecado tudo aquilo que para um adolescente é apenas manifestação de busca pessoal, lançam-na para uma espiral de pesadelo.

Brüggemann amplifica a claustrofobia opressiva e as penas de Maria estruturando Estações da Cruz em 14 “cenas” ou “quadros” que correspondem às 14 estações da Via Sacra, e filmando cada quadro em plano-sequência contínuo com a câmara estática (só em três dos 14 planos a câmara se move, e mesmo aí o mínimo indispensável). Mais do que prolongar esteticamente os dogmas espirituais que oprimem Maria, é a abordagem formal do realizador alemão que “liberta” paradoxalmente o filme e lhe empresta toda a densidade, dando-lhe a dimensão brutalmente incómoda de estarmos a assistir “em tempo real” ao definhar de uma miúda inteligente com um futuro à sua frente. Estações da Cruz partilha território com um outro excelente filme alemão sobre os efeitos da devoção religiosa (Requiem de Hans-Christian Schmid, que nunca chegou às salas portuguesas), mas é bicho pessoal e intransmissível, e merece muito mais atenção do que aquela que a sua estreia meio confidencial lhe dará.

 

 

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