A cimeira em que Castro e Obama viraram a História das Américas

Barack Obama diz que o tempo em que o seu país se intrometia na política dos países latino-americanos acabou. Raúl Castro elogia a sua honestidade e admite que a responsabilidade pelas políticas contra Cuba não é do Presidente americano.

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O aperto de mão histórico AFP/PRESIDENCIA PANAMA
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A sétima cimeira das Américas, que termina na noite de sábado na Cidade do Panamá, ficará na História como aquela em que os líderes da região prometeram virar a página, pondo de lado o modelo do passado, e escrever um novo capítulo, de um futuro em que os Estados Unidos “já não interferem impunemente” nos assuntos dos países latino-americanos, conforme prometeu o Presidente Barack Obama, e em que todos os parceiros estão comprometidos com a paz, como defendeu o líder venezuelano, Nicolás Maduro.

“O tempo em que os Estados Unidos interferiam livremente nos assuntos regionais acabou”, declarou Obama, na sua primeira intervenção perante os parceiros continentais e das ilhas do Caribe, na sessão de abertura dos trabalhos. Estava marcado o tom conciliatório, mas antes mesmo das palavras ficaram os actos: à chegada ao salão da conferência, repleto de chefes de Estado e outros dignitários, o Presidente norte-americano procurou deliberadamente o seu congénere de Cuba, Raúl Castro. O aperto de mão, breve, entre os dois, encerrava todo o programa da cimeira.

Um batalhão de jornalistas e observadores aguardava ansiosamente pelo momento, confiantes de poder interpretar nesse primeiro cumprimento, nas palavras de circunstâncias ou na linguagem corporal dos dois líderes, o sentido das negociações anunciadas há pouco mais de três meses para a retoma do relacionamento diplomático entre Washington e Havana, interrompido há cinco décadas. Esse longo período de hostilidade e isolamento, admitiu Obama, falhou manifestamente o propósito de “forçar” a mudança de regime em Cuba – o apelido do seu interlocutor cubano ainda é Castro. “O Presidente Obama é um homem honesto”, descreveu o Presidente cubano, antes do encontro inédito entre os dois.

Apesar dos passos dados, ainda persistem pontos de fricção e litígio entre os dois antigos adversários. Em declarações aos jornalistas no Panamá, Raúl Castro disse que “uma decisão rápida” para a retirada de Cuba da lista dos Estados patrocinadores do terrorismo seria um “passo muito positivo” para a aproximação entre os dois países (um gesto que além do carácter simbólico teria o efeito prático de abrir a ilha às transacções financeiras norte-americanas). Segundo a Associated Press, a Administração poderá estar a atrasar essa medida numa tentativa de obter concessões de Havana relativamente à liberdade de movimentos do seu pessoal diplomático na ilha.

Mas como insistiu Raúl Castro, a questão mais premente – e que “precisa de ser resolvida” – tem a ver com a revogação do embargo comercial imposto em 1962, uma decisão que compete ao Congresso dos EUA. “Peço desculpa ao Presidente Obama porque me emociono sempre que falo na Revolução”, declarou Castro, ao reconstituir perante o plenário a história da animosidade americana. “É claro que ele não tem responsabilidade nenhuma pelas políticas da Guerra Fria ou pelo bloqueio”, acrescentou, surpreendendo todos os presentes.

A mensagem do líder norte-americano, e especialmente a sua referência ao passado em que “a agenda dos Estados Unidos para o hemisfério presumiam que podia intrometer-se impunemente” nos assuntos dos países latino-americanos, procurava sublinhar a mudança histórica no relacionamento com Cuba – e o impacto dessa decisão em termos da dinâmica geopolítica da região. “Não ficaremos aprisionados no passado. As nossas políticas do futuro procuram melhorar a vida do povo cubano e promover a cooperação em todo o hemisfério”, declarou. Além de confirmar a emenda em relação a Cuba, as palavras de Obama ofereciam também uma espécie de “conforto” para os líderes de outros países com queixas e ressentimentos antigos provocados pela intervenção dos Estados Unidos, no Panamá, Nicarágua, ou Chile...

Menos subtilmente, as declarações de Obama destinavam-se ainda a esvaziar a polémica e aplacar a fúria do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que viajou para o Panamá disposto a pressionar os seus aliados esquerdistas latino-americanos a formar uma frente unida para um novo braço-de-ferro com Washington. Na véspera da cimeira, esperava-se que Maduro fosse a voz dissonante a romper o ambiente de concórdia e boa-vontade (a delegação venezuelana avisou logo à chegada que não assinaria a declaração final da cimeira se esta não tivesse um parágrafo contra as sanções impostas pelos EUA a sete dirigentes do país por alegado desrespeito dos direitos humanos).

Armado com uma petição subscrita por dez milhões de venezuelanos para exigir o levantamento das sanções, Maduro acabou por ajustar a sua estratégia (e a sua retórica), para não ficar ele próprio exposto à pressão dos parceiros regionais. “Estamos numa batalha de ideias, numa luta para que a Venezuela seja respeitada”, declarou. “Mas viemos com objectivos construtivos, prontos para fazer história através do respeito. Não é tempo de imperialismo, mas de paz”, declarou. “A Venezuela sempre demonstrou uma diplomacia de paz e de respeito pelas outras nações. Não somos anti-norte-americanos, somos anti-imperialistas”, precisou.
 

   

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