A moral e os bons costumes

Uma adaptação do romance inacabado de Irène Némirovsky que não tem problemas em invocar e questionar a dimensão moral dos compromissos.

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Na prática, a terceira longa-metragem do britânico Saul Dibb é algo muito mais esquivo, usando essa história de amor como “centro de gravidade” de uma série de micro-narrativas que desenham com elegante brevidade uma radiografia social da “França profunda” desses tempos. E se é verdade que não se descobre nada de novo ao longo destas duas horas, é igualmente verdade que, tal como já fizera com A Duquesa (2008), Dibb consegue equilibrar de modo assinalavelmente inteligente as “exigências comerciais” de um produto que se conforma a uma certa ideia do cinema britânico de prestígio com uma exploração mais atenta das questões existenciais que se revelam para lá da superfície. 

O verdadeiro tema trabalhado subterraneamente por Suite Francesa é a dimensão moral do quotidiano e o modo como acções aparentemente singulares ou pouco importantes podem fazer bascular tudo instantaneamente. A atracção de Lucile (uma impecável Michelle Williams) pelo oficial alemão que é instalado em sua casa (Matthias Schoenaerts) são uma mera reacção à sua educação e boas maneiras por oposição à glacial arrogância da sogra (Kristin Scott Thomas), ou reflectem uma verdadeira necessidade de tocar outro ser humano que não veja nela apenas mais uma aristocrata empertigada? Reflectirá apenas a sua insatisfação com a “moral e os bons costumes” de uma Bussy ancorada numa hipócrita estrutura feudal de “senhores” e “rendeiros” que nem a guerra vem desfazer? 

É mais uma variação sobre o tema de sempre do cinema britânico – a divisão social das classes – mas que aqui ganha outros e mais equívocos contornos, permitindo a Dibb construir e manter quase sem esforço um ambiente de tensão subterrânea, e aos actores enriquecerem personagens que de outra maneira poderiam muito facilmente cair no lugar comum. Que Suite Francesa adapte parte do romance incompleto da judia francesa Irène Némirovsky, que morreu tragicamente em Auschwitz em 1942, torna essa exploração das zonas dúbias da “correcção política” ainda mais pungente, e faz deste filme aparentemente igual a tantos outros uma pequena e bem-vinda surpresa pelo meio dos monos que os distribuidores andam a despejar sem rei nem roque.  

 

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