Homenagem a procurador morto converte-se em protesto silencioso contra Kirchner

Presidente da Argentina sai da capital, onde uma marcha de homenagem a Alberto Nisman poderá juntar 300 mil pessoas.

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A marcha silenciosa de Buenos Aires terá "réplicas" em vários pontos do país REUTERS/Enrique Marcarian

Milhares de pessoas prometeram associar-se a uma marcha silenciosa convocada pela associação sindical dos magistrados argentinos para o início da noite desta quarta-feira, e que mais do que a planeada manifestação de solidariedade e justiça para o malogrado procurador Alberto Nisman se converteu num protesto político contra o Governo da Presidente Cristina Fernández de Kirchner.

O procurador, que há dez anos investigava o mais violento atentado terrorista na Argentina, foi encontrado morto no seu apartamento de Buenos Aires, em circunstâncias suspeitas que sugeriam um suicídio mas também poderiam ter sido encenadas para o efeito. A morte aconteceu dias depois de Alberto Nisman ter acusado a Presidente Cristina Kirchner e os seus aliados do encobrimento deliberado da responsabilidade de agentes iranianos no ataque a um centro judaico da capital que fez 85 mortos – na véspera de uma audiência parlamentar onde o procurador supostamente iria apresentar as provas contra a chefe do Governo.

Além dos familiares de Alberto Nisman e dos seus colegas magistrados, a marcha de homenagem contou com a adesão de grupos ligados à igreja, centrais sindicais e quase todos os líderes da oposição (incluindo os peronistas desafectos ao kirchnerismo), que foram instruídos pelos organizadores a abster-se de comentários partidários. Mas mesmo sem bandeiras ou cartazes, o carácter político do evento era indiscutível: segundo disse à BBC Mundo o director de Direitos Humanos do Centro Robert Kennedy, Santiago Cantón, “a marcha tornou-se a forma de a sociedade mostrar o seu descontentamento com a intervenção indevida do poder executivo no poder judicial”.

A polícia metropolitana de Buenos Aires montou uma operação de segurança presumindo uma concentração de 300 mil pessoas na Plaza de Mayo, o mais icónico local de protesto da Argentina. Entretanto, a sigla 18F foi circulando pelas redes sociais, motivando “réplicas” da marcha de Buenos Aires em vários pontos do país.

A Presidente Cristina Kirchner, há um mês na berlinda por causa das alegações de Nisman, ausentou-se da capital para uma série de inaugurações na Patagónia – onde pretendia festejar o seu aniversário, esta quinta-feira. A misteriosa morte de Alberto Nisman veio afectar ainda mais a sua credibilidade: imensamente popular junto das parcelas mais desfavorecidas da sociedade, a Presidente enfrentava já uma crise de confiança, fruto da deterioração da situação económica e política do país. A sua resposta às acusações foi “típica”, diziam os comentadores políticos: Cristina negou tudo e declarou-se vítima de uma conspiração.

“O povo argentino sabe que esta denúncia não passa de uma mentira vulgar, de uma operação dos media na sua estratégia de desestabilização política e do maior golpe de Estado judiciário que já se viu na Argentina”, contra-atacou Jorge Capitanich, chefe da gabinete da presidência, em defesa de Cristina Kirchner. A vitimização e confrontação têm sido a estratégia do Governo: tanto a Presidente quanto os seus ministros têm insistido na tese da perseguição, sempre com o cuidado de dizer que Nisman terá sido iludido ou enganado durante o inquérito por fontes e testemunhas com interesse em prejudicar politicamente o Governo de Kirchner.

Com eleições provinciais, legislativas e presidenciais em Outubro, o Partido Justicialista procura afastar-se das confusões que envolvem Cristina Kirchner, que está impedida de correr por um terceiro mandato consecutivo mas que segundo vários comentadores não põe de parte um regresso político em 2019.

Os analistas estimam que Kirchner possa reclamar um lugar nas listas do partido, candidatando-se a um cargo de governadora ou senadora de forma a garantir a manutenção da sua imunidade de acusação: o procurador Gerardo Pollicita, a quem foi atribuído o processo conduzido por Alberto Nisman, decidiu sustentar as denúncias e prosseguir com as investigações. “Existem provas suficientes para levar o inquérito até ao fim e averiguar as responsabilidades criminais de todos os envolvidos”, deliberou.

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