A estranha ideia das armas para a Ucrânia

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O que hoje está em jogo na reunião de Minsk não é a resolução do conflito ucraniano, mas uma pausa, um cessar-fogo que não se sabe quanto durará. Para Angela Merkel e François Hollande trata-se de parar a escalada na guerra. Vladimir Putin conta obter vantagens geopolíticas, consolidando os ganhos da Rússia na Ucrânia. Ao Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, cabe a pior parte: assinar um acordo — se o houver — que deverá fazer concessões importantes aos rebeldes e encontrará resistências em Kiev.

A nova linha de demarcação consagrará os ganhos territoriais dos pró-russos, após a violação do anterior acordo de Setembro. As “repúblicas” de Donetsk e Lugansk querem ver realçado o seu estatuto de autonomia. Moscovo quer mais. Está em jogo a estrutura do Estado ucraniano. O anterior acordo falava em “descentralização”. Moscovo quer agora uma “federalização”, que daria às “repúblicas” rebeldes um poder de intervenção em decisões estratégicas e na política externa de Kiev. É algo que a Ucrânia e os ocidentais têm rejeitado categoricamente. A política de Moscovo tem seguido, desde o início do conflito, sempre a mesma linha: fazer da Ucrânia um país inviável e ingovernável.

Kiev está num dilema. Manter a integridade territorial é uma questão de princípio mas de difícil realização. Primeiro, os rebeldes tornaram-se uma força no terreno e já não apenas “marionetas de Putin” como no início da guerra. Em segundo lugar, a região do Donbass, a mais industrializada do país, sempre foi deficitária e subsidiada. Hoje está arrasada pela guerra e Kiev, à beira da bancarrota, não parece interessada em pagar a reconstrução.

Por trás, está escondida a verdadeira questão de fundo, que só muito prudentemente é abordada pelos ocidentais: a integração da Ucrânia na zona de influência do Ocidente. A Ucrânia tornou-se num campo de batalha na confrontação de Moscovo com a NATO e com os Estados Unidos.

Merkel, Hollande e Obama
A iniciativa franco-alemã é uma resposta ao debate americano sobre o envio de armamento para a Ucrânia. Uma antecipação para travar a escalada e manter aberta a via diplomática. Obama está a ser submetido a uma enorme pressão para abandonar a sua “linha mediana” na questão ucraniana e assumir uma postura de “guerra fria” — que nem ele nem os europeus desejam. A questão não é, aliás, a Ucrânia mas a Rússia.

Obama tem conciliado uma política dura de sanções com uma cooperação com Moscovo em áreas de elevado interesse para Washington: Irão, Síria, Afeganistão, Estado Islâmico e terrorismo global.

“A linha mediana parece prudente. Mas não vai durar”, escreve Sam Charap, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres. Obama acabará por “ter de escolher entre uma nova Guerra Fria e um novo compromisso com a Rússia sobre a ordem da segurança regional na Europa”. O que levanta o incómodo problema do “papel especial da Rússia” nas regiões vizinhas e os limites da expansão da NATO e da UE. Conclui Charap: “Mas a alternativa, a nova Guerra Fria, é muito pior — para os Estados Unidos, a Rússia, a Europa e, principalmente, para a Ucrânia.”

Este debate americano está a azedar. Relançada por veteranos da política externa americana numa publicação conjunta de três think tanks — Atlantic Council, Brookings Institution e The Chicago Council, a tese do armamento tem apoios na Casa Branca e no Congresso.

Uma das críticas mais contundentes é a do “realista” Stephen Walt, na Foreign Policy. Um erro fulcral de avaliação é a comparação entre a Rússia e a Alemanha de Hitler. Esta era uma potência “revisionista” mas em ascensão. Tal como é hoje a China. A Rússia tem ambições mais limitadas, “está a envelhecer, a despovoar-se, é uma grande potência em declínio que se tenta agarrar ao resto da influência internacional que ainda possui e preservar uma modesta esfera de influência nas suas fronteiras.”

Moral da história: “Estamos a empurrar a Rússia para uma aproximação à China, o que não é o interesse dos Estados Unidos a longo prazo.”

Conclui Walt: “Os EUA devem abandonar a política de expansão interminável da NATO e convencer os russos de que a Ucrânia deve permanecer um “Estado-tampão”. Por outro lado, armar a Ucrânia é a receita para um ainda mais longo e destrutivo conflito. É fácil prescrever tais acções quando se está na segurança de um think tank de Washington, destruindo a Ucrânia para salvar a sua falsamente astuta ou moralmente correcta diplomacia.”

O raciocínio de Merkel, Hollande e principais líderes europeus não anda muito longe disto. Sabem que a Rússia facilmente responderá ao envio de armas para a Ucrânia. São os vizinhos. É um terreno em que os russos têm vantagem. Somada aos riscos de desestabilização da Grécia no Mediterrâneo, seria uma iniciativa que soa a desastre.

O analista russo Dmitri Trenin, do Carnegie Center, tem antecipado com lucidez as reacções de Putin no conflito ucraniano. Escreveu na segunda-feira um tweet: “Putin tem poucas razões para temer armas americanas na Ucrânia, mas a Europa tem todas as razões para temer a sua resposta.”

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