O anjo exterminador

O novo filme de Cronenberg prossegue na linhagem de “horror mental” do cineasta, com uma Julianne Moore superlativa.

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Trailer Mapas Para as Estrelas

O mais recente exercício de entomologia social do canadiano David Cronenberg insere-se na metamorfose que a obra do cineasta tem vindo a fazer, do muito celebrado body horror em direcção a um mais difuso e inquieto soul horror, onde as mutações da “nova carne” teriam dado lugar a uma perturbante investigação dos distúrbios de uma “nova mente”.

À superfície, Mapas para as Estrelas funciona como complemento do anterior Cosmopolis (2012), na sua dimensão abertamente satírica do mundo em que vivemos e dos “senhores do universo”: o argumento de Bruce Wagner atira-se sem complacências ao sistema hollywoodiano contemporâneo, com os seus agentes e séquitos venais que existem apenas para fazer as vontades de estrelas mimadas e inseguras. No caso, uma actriz em decadência, desesperada para interpretar o papel da sua própria mãe num filme biográfico (extraordinária Julianne Moore), e um miúdo-prodígio com a carreira na corda-bamba controlada de perto pelos pais.<_o3a_p>

A violência da sátira, tingida de desespero, pode sugerir algo de film à clef, opaco, fosco, com o seu quê de “ajuste de contas” privado – e há que dizer que a amargura e a crueldade de que o filme faz prova é não raras vezes difícil de digerir. Ajuda, e muito, que Mapas para as Estrelas tenha a ancorá-lo a interpretação superlativa de Julianne Moore (prémio de interpretação em Cannes) muitíssimo bem rodeada por Mia Wasikowska, Olivia Williams, John Cusack e um justíssimo Robert Pattinson (e é curioso como tão poucas vezes se reconhece o talento de Cronenberg como director de actores). Mas Cronenberg compensa tudo isso ao introduzir a personagem de Agatha, uma jovem recém-chegada da Costa Leste (Wasikowska a evocar Claire Danes), que faz a “ponte” entre as várias personagens. <_o3a_p>

Agatha é uma espécie de “anjo exterminador”, cuja presença vem contaminar e purificar a iniquidade deste sistema incestuoso. E nessas implicações de uma “nova mente” consumida do interior pelos pecados do corpo Mapas para as Estrelas torna-se em digno integrante da obra Cronenberguiana, onde o negrume escarninho e claustrofóbico que o cineasta buscou sem atingir em Cosmopolis se espraia em toda a sua dimensão.<_o3a_p>

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