Berlusconi foi “expulso” do Parlamento, mas não da cena política

Depois da condenação judicial por fraude fiscal, o Cavaliere foi destituído do seu mandato de senador. É mais um passo no seu irremediável declínio. Mas pode ser mais perigoso fora do que dentro do Senado

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“É um dia de luto para a democracia”, disse Berlusconi FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Silvio Berlusconi perdeu esta quarta-feira o seu mandato de senador. No dia 1 de Agosto fora condenado a quatro anos de prisão, por fraude fiscal, em sentença definitiva do Supremo Tribunal. É mais uma etapa no seu declínio. Mas, “expulso” do Parlamento, (ainda) não morreu politicamente. O seu partido abandonou a maioria governamental, assumiu a oposição e já está em campanha. Estimulado pelas sondagens, o Cavaliere terá em mente um rápido regresso às urnas.

O regulamento da câmara alta não previa uma votação formal sobre a perda do mandato. A Comissão das Imunidades do Senado aprovara, por maioria, a destituição de Berlusconi, como efeito automático da condenação judicial. Assim, foram apenas votadas as nove moções de senadores fiéis a Berlusconi que pediam a rejeição daquela decisão por voto secreto. Foram recusadas, em voto público, por larga maioria.

O debate foi acintoso e marcado por insultos, centrando-se na questão do voto secreto. Este poderia trazer surpresas. Através de um expediente jurídico, a Comissão do Regulamento entendeu que não estava em causa o voto sobre uma pessoa, mas sobre “a dignidade da assembleia” perante uma condenação judicial, e que por isso o voto seria público. Alguns berlusconianos falaram em “golpe de Estado”.

E agora?
Berlusconi recusou-se a estar presente no Senado, optando pela rua. Perante os adeptos, que se manifestaram junto da sua residência romana, declarou: “É um dia de luto para a democracia.” Reafirmou que não sai da cena política. Fez um ataque cerrado à magistratura: “Graças aos juízes, a esquerda está no poder.” Retomou o tema da “vitimização”, a sua arma política predilecta.

Na madrugada de quarta-feira, o Senado aprovou a versão final do orçamento e a moção de confiança apresentada pelo primeiro-ministro Enrico Letta – por 171 votos contra 135. Os senadores do “novo” partido de Berlusconi, Força Itália, votaram contra a confiança e romperam a coligação. Esta ruptura não põe em causa o Governo, que continua a dispor dos ministros e parlamentares que abandonaram a anterior partido do "<i>Cavaliere</i>", Povo da Liberdade (PdL), e fundaram o Novo Centro-Direita (NCD), sob a direcção de Angelino Alfano. Na Câmara dos Deputados o Governo dispõe de larga maioria e no Senado de uma maioria escassa.

Berlusconi perdeu a sua principal arma, a capacidade de derrubar o Governo. À primeira vista, será um factor de estabilidade para o executivo. Letta declarou que a sua maioria “está mais unida”, considerando ter condições para passar às grandes reformas, políticas e sociais, a começar pela lei eleitoral. É também a interpretação de parte dos analistas.

As ameaças
Na prática, a nova situação política é mais complexa. Não só está a mudar o xadrês partidário como poderão alterar-se as relações de forças. O bipartidarismo explodiu. O PdL cindiu-se em dois. O intento de Alfano será reunir a “direita moderada”, de matriz democrata-cristã. Mas – adverte o historiador Giorgio Orsina, historiador do fenómeno berlusconiano – tal não acontecerá enquanto o "Cavaliere" estiver no terreno. É a única figura carismática da direita. Tem 77 anos, está velho, continua “acossado” pelos juízes, mas ainda não saiu de cena. Vários analistas sublinham que pode ser mais perigoso fora do Parlamento e reforçar o seu poder de sedução sobre os eleitores.

Por sua vez, o Partido Democrático (PD, centro-esquerda) vai eleger um novo líder nas primárias de 8 de Dezembro. O favorito é Matteo Renzi, presidente de Florença, que se propõe mudar radicalmente o PD. Vai ganhar, mas terá a oposição da maioria da “velha guarda” e da esquerda do partido – o que leva alguns a falar em risco de cisão. Renzi não quer substituir Letta, mas deseja eleições a médio prazo. Avisou o partido de que “Berlusconi já está em campanha” e que o PD não o pode deixar o terreno livre a uma ofensiva populista. Quer condicionar as opções do Governo e forçá-lo a acelerar as reformas. “A paciência acabou”, disse. Explicou que, após a ruptura do PdL, o PD é o “accionista maioritário da coligação”. Sendo ambos do PD, os interesses de Letta, enquanto chefe do Governo, podem não coincidir com os de Renzi, que pensa como chefe de partido.

Berlusconi escolheu também para 8 de Dezembro o relançamento da sua Força Itália, a pensar nas eleições regionais de Março e nas europeias de Maio. As sondagens são lisonjeiras. Enquanto Letta e o PD sofrem grande desgaste, o centro-direita aparece com possibilidade de vencerem eventuais eleições – Alfano poderá ser forçado a aliar-se a Berlusconi em futuras eleições.

Letta pode ver-se encurralado entre as exigências do PD e uma dupla ofensiva populista – de Beppe Grillo e Berlusconi. Tem uma arma de dissuasão: a muito difícil situação da Itália, onde a dívida continua a subir. E o Presidente Napolitano não que ouvir falar em eleições.
 

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