Uma democracia mais madura

Se vier a ser primeiro-ministro, Costa terá uma vida mais difícil do que a que Passos teve na gestão das diferenças com o CDS.

António Costa disse que “acabou um tabu”, que se “derrubou um muro” e se “venceu um preconceito”. Pedro Passos Coelho disse que a esquerda “reescreveu o resultado eleitoral”, o seu líder parlamentar falou em “arranjinhos à la carte”, Paulo Portas em “solução politicamente ilegítima” e Telmo Correia resumiu o espírito da direita portuguesa: “Pode ser legal, mas não é bonito.”

Retórica à parte, o que aconteceu nesta terça-feira na Assembleia da República portuguesa é muitíssimo interessante. Não no sentido de a esquerda ter derrotado a direita, mas no de a política portuguesa ter inaugurado uma dinâmica e uma imprevisibilidade que até hoje não conhecíamos. Quebrou-se a rotina dos dois cenários da tradição – ora governava o PSD, ora governava o PS, com ou sem a ajuda do CDS. Isso acabou. Com o fim do “centrão” e do “bloco central”, a democracia portuguesa pode tornar-se mais madura, mais participativa, mais escrutinada. Numa palavra, melhor.

A 4 de Outubro, um milhão de portugueses votou no Bloco de Esquerda e no Partido Comunista Português e, pela primeira vez na história, estas forças rivais encontraram suficiente território em comum para formar uma aliança derrubando outra, a que ganhou as eleições mas não os deputados de que precisa para governar. É novo cá, mas não no mundo. É, por exemplo, o caso da Noruega hoje. O partido de direita da actual primeira-ministra ficou em segundo lugar e aliou-se aos progressistas, que ficaram em terceiro. São eles que estão no poder, não os trabalhistas, que venceram as eleições.

Porque nunca dantes navegado, este novo caminho é no entanto incerto. No debate que fez cair o Governo de Passos, o Bloco referiu-se aos “passos que fomos capazes de dar juntos”. Foi uma forma de evidenciar os passos que a esquerda não conseguiu dar. Nos documentos de “posições conjuntas” que o PS assinou com o BE, PCP e PEV, todos se comprometem a “examinar, em reuniões bilaterais, outras matérias, cuja complexidade o exija”. Parecendo impossível o que aconteceu, o que está feito foi até o mais fácil. Se vier a ser primeiro-ministro, Costa terá uma vida mais difícil do que a que Passos teve na gestão das diferenças com o CDS.

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