Governo derrubado promete ser oposição sem tréguas

Todos os deputados do PS, PCP, Bloco, PEV e PAN votaram a favor da moção de rejeição dos socialistas. Coligação considera que os acordos do PS com PCP, BE e PEV são muito frágeis. Cavaco volta a ter a palavra.

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Costa cumprimenta Passos após a votação Enric Vives Rubio
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Momento da votação Enric Vives Rubio

O primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro deram o tom sobre como é que vão actuar na oposição. Não vão ser “cúmplices” de uma aliança à esquerda que consideram ilegítima e muito pouco “consistente”. Uma “gerigonça”, chamou-lhe Paulo Portas, uma “maioria negativa” sem “consistência”, apontou Passos Coelho. Foi essa maioria parlamentar de esquerda (123 votos) que derrubou o Governo PSD/CDS, devolvendo a palavra ao Presidente da República.

Ao que o PÚBLICO apurou, a coligação foi surpreendida pelo teor dos acordos que só estabelecem a obrigação de terem “reuniões bilaterais” para negociar os Orçamentos do Estado (só o próximo já estará mais consensualizado) e discutir eventuais moções de censura, seja qual for o governo que se segue.

No último discurso antes de ver rejeitado o programa de Governo, Passos Coelho lançou um ataque à aliança de esquerda liderada pelo PS. Defendeu que “não há unidade na oposição” e que António Costa ainda não apresentou a “alternativa" que prometeu para chumbar o Executivo PSD/CDS. Uma alternativa "estável, duradoura e consistente”, como exigiu o Presidente da República, a quem cabe agora ouvir os partidos novamente para a formação de um novo Governo. 

“Foi penoso ouvir o secretário-geral do PS explicar ao país, ao fim de tantas semanas depois das eleições, que a plataforma de que dispõe para derrubar este Governo nem sequer o salva de uma maioria que o derrote neste Parlamento porque nem sequer um acordo tem garantido que inviabilize a rejeição do seu Governo futuro", afirmou.

A coligação PSD/CDS parece esperar que a solução de António Costa venha a ser pouco duradoura, tendo em conta que os acordos entre o PS e as restantes bancadas apenas prevêem a obrigação de negociação em caso de futuros Orçamentos do Estado e em moções de censura, sejam apresentadas pelo PSD, CDS ou pelos partidos agora aliados. Já no final do debate, António Costa deixou claro o que significa uma moção de censura proposta por BE, PCP ou PEV: “É a mesma coisa que um de nós meter os papéis do divórcio. O casamento acabou, o Governo acabou”.

No púlpito do hemiciclo, Passos Coelho referiu-se, não só à forma, como à substância dos acordos, que foram assinados à hora do almoço, um por cada partido, à porta fechada. “O que assistimos hoje com os acordos não sustentam essa maioria”, afirmou, questionando o motivo pelo qual o PS pôs “na gaveta” matérias “fundamentais” para viabilizar o seu Governo e rejeitar outro.

“Se bastasse um processo de consultas de moções de censura, ou orçamentos, porque não estaria o PS a oferecer o mínimo de condições a quem ganhou as eleições?”, interrogou-se, tendo justificado essa atitude com a “ambição de poder” de António Costa.

Palmas do BE e PCP para Costa
Momentos antes, o líder do PS disse que cabe ao partido “assegurar a coerência dos contributos das diferentes bancadas entre si” e também a “compatibilidade” do conjunto com os compromissos junto da NATO e da Zona Euro. Ou seja, o líder dos socialistas sustentou que “é possível melhorar o rendimento das famílias sem que tenhamos de partilhar a opinião sobre a NATO”.

António Costa sublinhou que o Governo liderado por si tem “condições de governação estável no horizonte da legislatura.” Este foi um dos momentos em que conseguiu ter no Parlamento algo de muito raro, com as bancadas do PS, Bloco e alguns deputados do PCP a aplaudir o seu discurso.

Passos Coelho lembrou isso mesmo no discurso de encerramento. Costa terá uma maioria de esquerda obrigada a ser “suficiente” para viabilizar a acção corrente do Governo, mas também questões como Orçamentos e Programas de Estabilidade. E foi aí que deixou um aviso ao PS: “Quem hoje votar pelo derrube do Governo legítimo não tem legitimidade para, mais tarde, vir reclamar sentido de responsabilidade, patriotismo ou europeísmo a quem hoje se negou todos estes atributos”.

Num discurso em que recebeu uma forte e demorada ovação de pé dos deputados do PSD e do CDS, Passos Coelho anunciou que está para ficar: “Se não me deixam lutar no Governo, como quiseram os eleitores, lutarei no Parlamento, pelo qual tenho muito respeito.”

Mais cáustico foi o discurso de Paulo Portas, ao final da manhã, ainda antes de ser conhecido o teor dos acordos à esquerda. Também o vice-primeiro-ministro começou por atacar a consistência da aliança de PS, BE, PCP e PEV. “Não é uma coligação, porque nenhum acordo é igual, porque as partes não se comprometem da mesma forma. Até nas moções de rejeição tiveram dificuldade em fazer uma só. Todos percebemos que nos modos parlamentares vos custa muito aplaudirem-se uns aos outros”, atirou.

O líder do CDS-PP acenou com o domínio dos comunistas sobre os socialistas: “Temo que a gerigonça deixe de Portugal, a sua economia (...) à mercê das reuniões do comité central [do PCP], na Soeiro Pereira  Gomes”. Jerónimo de Sousa, o líder comunista, não respondeu à crítica. No seu discurso, dedicou a maior fatia da sua intervenção a condenar a governação PSD/CDS dos últimos quatro anos, mas disse que existe no Parlamento uma "base institucional que permitirá ir tão longe quanto for a disposição de cada força política que a compõe". A porta-voz do BE, Catarina Martins, assumiu que os resultados das negociações não foram tão longe quanto desejaria. "Mas sabemos que os passos que fomos capazes de dar juntos são a diferença entre continuar a empobrecer ou a responder pelas vidas das pessoas", sustentou.  

"Pressão explosiva" no PS
Colocando em causa a legitimidade da aliança que se está a formar à esquerda para governar, Portas deixou um aviso sobre a situação política futura em que se vê como líder de um partido de oposição. “O secretário-geral do PS escolheu o caminho matematicamente possível, formalmente constitucional, mas que é politicamente ilegítimo”, afirmou.

O argumento da legitimidade serve como base para recusar um futuro apoio da direita, caso venha a ser preciso. E Portas antevê que venha a ser necessário. “Conte apenas com a nossa coerência, e se mais à frente se vir aflito, se mais adiante não conseguir gerir a pressão explosiva – podem crer que será explosiva - da demagogia e a concorrência entre PCP e BE, de um lado e o realismo e os compromissos de Bruxelas, do outro, não venham depois pedir socorro”, declarou.

A recusa em vir a colaborar foi reiterada ao longo da intervenção de Portas. António Costa, “se conseguir ser primeiro-ministro, é tamanha a irresponsabilidade do que está a fazer que terá de resolver os problemas com a frente dos perdedores”. “Nós já fomos os bombeiros do vosso resgate duas vezes, a vossa conduta assemelha-se à dos pirómanos do regime, não seremos cúmplices dessa consequência”, alertou.

Depois de saber que a coligação PSD/CDS promete fazer oposição sem qualquer colaboração a um futuro Executivo socialista, António Costa desvalorizou e justificou as palavras ditas mais com “emoção” do que com a “razão”. Na intervenção em plenário, Portas antevê que o líder do PS acabe por sucumbir vítima de uma “manobra semelhante” à que protagonizou e pela “mão de quem o ajudou na incoerência.“E de tão alto cairá”, disse, numa previsão que agora PSD e CDS esperam ver concretizada a breve prazo. Esse tempo ditará a capacidade de sobrevivência dos líderes do PSD e do CDS na oposição, sobretudo a de Passos Coelho.  

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