Depois de sete meses de vazio de supervisão, Montepio prepara reforço de capitais

O banco Montepio prepara novo aumento de capital de 200 milhões, por via da AM, sem que BdP ou CMVM digam quem vai fiscalizar a operação.

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A Associação Mutualista, dona da Caixa Económica-banco Montepio, não responde perante nenhum supervisor financeiro Enric Vives-Rubio

Em Outubro de 2014, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) enviou um alerta de urgência ao Governo chamando a atenção para a situação do grupo Montepio Geral e a solicitar medidas que garantam a adequada supervisão da entidade mutualista. Passaram, entretanto, sete meses e Pedro Passos Coelho ainda não respondeu ao pedido dos três reguladores - Banco de Portugal (BdP), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASSFP) – o que está a criar um quadro de apreensão num grupo com 175 anos, 650 mil associados e milhares de clientes bancários.

Após uma análise detalhada da situação, Carlos Costa (BdP), Carlos Tavares (CMVM) e José Almaça (ASSFP) enviaram uma carta conjunta à ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, a manifestar preocupação pelo actual quadro de gestão e de governação do Montepio (banco e associação mutualista). A missiva foi enviada em Outubro de 2014 e os termos são claros: o grupo liderado por Tomás Correia, que inclui o sexto maior banco (Montepio) e seguradoras, não está a ser devidamente fiscalizado, por ausência de instrumentos legais.

A Associação Mutualista (AM), dona da Caixa Económica-banco Montepio, é tutelada pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, mas não responde perante nenhum supervisor financeiro, apesar de captar poupanças junto dos associados e de proceder às respectivas aplicações. Para além do tema associado à governação (separação da gestão do banco da do seu accionista), esta questão é particularmente delicada, na medida em que os produtos vendidos pela AM (complemento de reforma, saúde, poupança de longo prazo) são comercializados aos balcões do banco Montepio, mas sem estarem sujeitos a regulação financeira. Em Portugal, as entidades que captam poupanças são obrigatoriamente reguladas por uma das três instituições: CMVM, BdP ou ASSFP. Não é o caso da AM. E ao contrário de um banco (depósitos até 100 mil euros), os investimentos através da AM não estão protegidos.

Um dos pontos da carta que chegou a Maria Luis Albuquerque solicitava precisamente que fosse criada legislação que desse à ASSFP competências para inspeccionar a actividade mutualista.

O grupo Montepio Geral é baseado em duas entidades anexas (Caixa Económica e AM, que é a casa-mãe e detém o banco), que partilham o mesmo presidente (cargo actualmente ocupado por Tomás Correia). O facto de a AM, que em 2013 teve prejuízos de 336 milhões de euros (ainda não revelou as contas de 2014) não ser fiscalizada financeiramente favorece um potencial conflito de interesses e gera um risco acrescido para os seus 650 mil associados. Dado que a cabeça do grupo (a AM) delega e concentra a gestão dos seus activos no banco Montepio, há risco de contaminação do universo mutualista pela área financeira.

No dossier BES, as falhas de supervisão estão associadas a uma falta de articulação entre o Governo (através da ministra das Finanças), o BdP, a CMVM e a ASSFP, e o banco acabou por colapsar infectado pelo GES. Mas todas as autoridades tinham competências para actuar. No caso Montepio, o BdP refere que o seu perímetro de actuação se restringe ao banco, enquanto a CMVM se protege dizendo que a sua acção está confinada a certas operações de mercado. Já o regulador da área seguradora e dos fundos de pensões desresponsabiliza-se por não ter atribuições no domínio mutualista. Só o Governo tem poder para travar “uma eventual derrapagem”.

Na última assembleia geral da Caixa Económica-banco Montepio (30 de Abril), esteve em agenda uma proposta de alteração parcial dos estatutos, destinada a responder às exigências das autoridades de clarificação do sistema de governação (separação entre a gestão executiva do banco e os órgãos sociais da AM). Este ponto voltará a ser debatido no próximo dia 26 de Maio. 

Nas assembleias gerais da Caixa Económica participam 21 membros, sendo que dez estão presentes por inerência (pertencem aos órgãos sociais, incluindo Tomás Correia e a sua equipa) e 11 são eleitos pelos associados. No encontro de 30 de Abril, todos os pontos foram aprovados por maioria, mas com os votos contra dos 3 membros eleitos na lista de Eugénio Rosa, afecto ao PCP. Em declarações à Lusa, Tomás Correia afirmou que todos os pontos na ordem do dia foram debatidos num "clima de coesão muito forte" e foram aprovados os instrumentos de gestão, contas e fiscalização.

Outra matéria aprovada na reunião de 30 de Abril está relacionada com a decisão de aumentar, em 200 milhões, o capital da Caixa Económica-banco Montepio, por via do Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), o que já foi mesmo anunciado ao mercado. Na altura, Tomás Correia informou a assembleia que o quadro não era favorável a colocar as unidades de participação (UP) do fundo junto de investidores institucionais, ainda que a sua expectativa seja a de poder fazê-lo mais tarde.

O PÚBLICO inquiriu o grupo mutualista sobre “em que sede foi aprovado o aumento de capital da Caixa Económica a subscrever pela AM e que entidade decidiu avançar com a operação”. E obteve a explicação: “A decisão é feita como em todas as empresas. Os órgãos próprios da Caixa Económica aprovam a decisão de aumento de capital e os da AM aprovam a decisão de tomada firme. Noutros casos há sindicatos bancários que tomam esta segunda decisão.” De facto, os estatutos do grupo permitem que a administração da AM possa deliberar sobre a injecção de fundos no banco sem necessitar de submeter a proposta a uma assembleia de associados. Um quadro de topo dos supervisores salientou que esta possibilidade não é consensual pois “revela falta de independência entre as duas instituições: a proposta é feita pela Caixa Económica e aprovada pelos órgãos da AM, a accionista, que tem o mesmo chefe”. Não seria permitido “noutro banco, ou seguradora que teria de levar o aumento de capital à aprovação dos seus accionistas.”

O PÚBLICO perguntou ao BdP e à CMVM que entidade financeira vai fiscalizar, aprovar e regular os termos do aumento de capital do banco Montepio (que será suportado pelos fundos mutualistas), mas nem Carlos Costa, nem Carlos Tavares responderam. Com 200 milhões de euros de UP, o Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral foi constituído em Dezembro de 2013, para ajudar a reforçar o capital do banco Montepio. Trata-se de uma aplicação financeira (e não de um fundo mutualista) e, na prática, os detentores das UP são accionistas indirectos do banco Montepio, mas sem direito a participar na vida da instituição.

Nessa fase, as UP foram subscritas por privados e a CMVM teve de se pronunciar colocando ênfases à operação. Este fundo contém três participações qualificadas: Paulo Guilherme (filho do construtor José Guilherme que diz ter oferecido 14 milhões a Ricardo Salgado) possui 18 milhões de UP; o investidor angolano Eurico Brito detém 10,5 milhões de títulos; e a Visabeira 1,805 milhões. 

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